A história mostra-nos o mais largo horizonte da humanidade, oferece-nos os conteúdos tradicionais que fundamentam a nossa vida, indica-nos os critérios para avaliação do presente, liberta-nos da inconsciente ligação à nossa época e ensina-nos a ver o homem nas suas mais elevadas possibilidades e nas suas realizações imperceptíveis.(...)A experiência do presente compreende-se melhor reflectida no espelho da história. Karl Jaspers

quinta-feira, 25 de março de 2010

Rio de Janeiro colonial – a vocação para o comércio


Inicialmente a corte portuguesa faz a opção de colonizar São Vicente, fundada por Martim Afonso. Mas, como podemos explicar este interesse? Já que não é uma localização que favoreça a extração do pau-brasil (que por lá não existia), tampouco seria pela adequação para a produção da cana-de-açúcar, afinal o nordeste possuía uma produtividade muito maior, além do que, sua proximidade com a Europa tornava o valor do frete um grande diferencial dos custos. Porem são Vicente era ponto inicial de uma trilha guarani que levava ao Paraguai estando desta forma mais próximo ao Prata. Eis ai a razão da atenção maior por são Vicente no início da colonização do sudeste.
Em 1562 a coroa portuguesa criou a Capitania Real de São Sebastião do Rio de Janeiro. Que passa a ser a base política da corroa em relação à região do Prata. Com a expulsão dos franceses de Cabo Frio em 1575, o Rio inicia sua historia como porto do comércio atacadista do tráfico negreiro. Este comércio, apesar de fazer aportar na cidade um grande número de africanos escravizados, não fazia com que o Rio de Janeiro possuísse uma grande quantidade de escravos, pois, a maioria dos desembarcados tinham como destino a região do Prata (no auge do contrabando da prata). Ressalta-se que o escambo contrabandeado de negros por prata foi uma das primeiras atividades regulares da cidade.
O comércio entre a Europa e o Oriente sempre foi deficitário para os europeus, sempre muito interessados nos caros produtos orientais, que em contra partida possuíam pouco interesse nos produtos na Europa (armas e tabaco eram exceções). Este déficit exigia que o comprador europeu realizasse vultosas transferências de ouro e prata (preferencialmente) a fim de saldar os pagamentos dos produtos orientais. Neste sentido a prata da América foi chave primordial para a manutenção deste comércio. Para Portugal a prata inicialmente entrou em seus cofres pelo contrabando de escravos e mercadorias a partir do Rio de Janeiro com a região do Prata, este comércio foi de importância capital para o Império português. O Rio recebia mercadorias das mais diversas, vindas de diferentes locais, mais não resta dúvida que a mais valiosa das mercadorias era o escravo.
Para Carlos Lessa: “a atividade econômica e a prosperidade do Rio colonial pré Geraes eram, por conseguinte, de natureza mercantil urbana. O Rio, antes de ser um centro com vida urbana, já era urbano por suas articulações externas. O porto era o principal equipamento e a razão de ser da vila.” Assim durante o século XVIII, o comércio entre o Rio de janeiro e a região do Prata deu lugar as necessidades de abastecimento das Minas Gerais. Isto aprofundou ainda mais a vocação comercial do Rio, ensaiadas desde os primeiros tempos da colonização.
O Rio foi consolidando-se como um entreposto comercial, Amaral Lapa destaca esta importância de centro obrigatório de passagem de mercadorias: “a reexportação dos artigos originários de salvador pelo porto do Rio não se destinava apenas ao Prata(…) No final do século XVIII (…) encontramos ordens para que o tabaco baiano, exportável para a Índia, passasse a ser enviado antes ao Rio de Janeiro de onde seria transportado ao oriente.”
Mas o Rio não foi somente comércio, outras atividades foram desenvolvidas; extração de pau Brasil, produção de açúcar e aguardente; de alimentos, principalmente a farinha de mandioca, criação de gado e alguma construção naval. Em 1614, o governo autorizou que o açúcar fosse utilizado como moeda para o tráfico negreiro, além disto, a produção de aguardente também era importante no comércio com a África. Sem dúvida que essas duas passagens explicam o crescimento e incentivo da atividade agrícola da cana de açúcar no Rio de Janeiro. É interessante observar que em São Vicente a atividade açucareira não prosperou, apesar de possuir condições climáticas bem semelhantes ao Rio de Janeiro, portanto o fator diferencial entre o sucesso do Rio e o fracasso de São Vicente no que diz respeito à cana de açúcar foi, inexistência de uma relação direta com o tráfico negreiro. O tráfico combinado ao contrabando terminou por gerar um fortalecimento da urbanidade e do desenvolvimento do Rio de Janeiro.
Quando ocorreu a União Ibérica o Rio de Janeiro foi amplamente beneficiado, pois com a união de Portugal e Espanha não haveria limites ao comércio com o Prata. Os portugueses, exímios pilotos de navegação no estuário penetraram cada vez mais rio adentro em suas pequenas embarcações. Este avanço se deu de tal forma que ao ser extinta a União Ibérica havia cerca de 6.000 portugueses no Peru e 25% da população de Buenos Aires era de lusitanos (LESSA, 2005), estes números servem para destacar a importância atingida pelo comércio com a região, lembrando-se que a base de todo o comércio com a região era o Porto do Rio de Janeiro.

O Rio prosperando no século XVII

Não existem muitas fontes documentais que mostrem este processo de expansão do Rio no século XVII, no entanto podemos avaliar este processo de crescimento através da análise da multiplicação de templos religiosos: Nossa senhora da Apresentação (1613), em Irajá; São Francisco da Penitência (1619); Convento do Carmo (1619); São Francisco Xavier (1625); São Cristóvão (1627); Candelária (1627); Igreja de Santa Cruz dos Militares (1628); Igreja de Nossa Senhora da Conceição (1634); Igreja da Penha (1635); Igreja do Rosário (1639); Nossa Senhora do Bom Parto (1649); Mosteiro e convento de são Bento (inaugurado em 1652); em 1659 a ordem de São Francisco cria a Província do Rio de Janeiro (agora separada da província de Salvador); Da Glória do Outeiro (1671); Convento da Ajuda (1678) e Igreja de São Roque (1697), em Paquetá, são exemplos desta proliferação.
Um grupo foi particularmente beneficiado com o crescimento da vila, os Sá, descendentes do fundador, herdaram ou capturaram para si grande parte do Rio de Janeiro. Eram os controladores do porto, na medida que a eles cabia a emissão do atestado de carga, além disto também pertencia a eles o trapiche de ver o peso, em termos de terras os Sá chegaram a possuir 50% das terras de campos dos Goytacazes, além da Barra da Tijuca, Jacarepaguá, Guaratiba e de metade da Ilha do Governador. Dentre os Sá o de maior notoriedade é Salvador Correia de Sá. Quando da União Ibérica esteve ao lado dos espanhóis sendo nomeado para cargos em Tucuman, Paraguai e Peru. Mais tarde, rompida as relações com a coroa espanhola, é nomeado para cargos de grande importância também no Império portugues, foi general das frotas do comércio do Brasil e chefiou a reconquista de Angola em 1648. Foi administrador das minas de São Paulo e São Vicente, mas ao final do século XVII, Salvador de Sá já sabe que o verdadeiro Eldorado não eram as minas, mas, o trafico de escravos. Vieira de Mello sintetiza: “Os Sá, do Rio de Janeiro eram, sobretudo traficantes de escravos, e para tal fim lhes serviam os seus estaleiros, engenhos, alambiques, as culturas de mandioca e de cana-de-açúcar.”
Em 1680 é fundada a colônia de Sacramento, e os meios para esta empreitada vem do Rio de Janeiro, tanto em forças (protetoras) como em recursos financeiros, a intenção era estabelecer um ponto de apoio ao comércio com a região do prata. No entanto os espanhóis atacam e destroem Sacramento, somente em 1682 Tavares Rondon recupera-a. Para a manutenção da colônia mais uma vez o Rio envia recursos, o centro mercantil do Rio de Janeiro exige e obtém em 1697 o controle total do comércio da colônia. O Rio financiou a política no prata, e foi de grande importância geopolítica na retaguarda da expansão Lusa na região sul. No entanto, esta opulência financeira externa não representou um aumento significativo da monetarização interna da vila. Mas como entender então que tanta riqueza externa não representasse um aumento de riqueza circulante dentro da vila? A resposta é o entesouramento, sendo assim o Rio, desde o início, comportou-se como grande caixa-forte de reservas de metais preciosos, legais ou ilegais. Grande parte destas reservas foi transformada em objetos de uso, justificando o grande número de ourives que possuía o Rio de Janeiro.
A partir do início do século XVIII intensifica-se o tráfico negreiro, este aumento tinha como objetivo o abastecimento de escravos nas Minas Gerais e o aumento da produção de açúcar, neste momento o Rio chega a ocupar a terceira posição na produção açucareira atrás de Bahia e Pernambuco. Para que possamos avaliar, segundo Carlos Lessa: “Entrou de 1736 a 1810 pelo porto do Rio de Janeiro a multidão de 580 mil escravos.” Neste período existiam 17 navios registrados dedicados exclusivamente ao comercio escravo no Rio de Janeiro. Mas o Rio não era apenas centro do comércio exterior era também o centro do comércio de cabotagem da colônia. Escravos eram trocados pelo fumo baiano e por alimentos com a região sul. O Rio centralizava o comércio atacadista da colônia. Vende escravos, alimentos e produtos manufaturados importados e em troca recebe ouro e diamantes.

A importância do porto: crescendo com a cidade e fazendo a cidade crescer

O porto foi fundamental para a vida do Rio colonial, afinal através dele o “Rio comercial” se desenvolveu, e a partir dele a cidade cresceu, foi de grande importância na vida e no crescimento da cidade, sua importância foi tanta que o local inicial do porto (região da praça XV) manteve a centralidade da cidade mesmo com o deslocamento do porto.
O porto onde se podia fundear a nau em segurança, protegida contra ventos e assaltos, onde se podia abastecê-la e realizar manutenções. Assim o Rio manteve suas características iniciais de crescimento, o porto era o centro e a partir dele o Rio se expandiu em camadas “feito casca de cebolas”, e manteve até hoje o mesmo modelo expansionista. A cidade do Rio, é um local em que o centro da cidade na verdade não está em seu centro, se assim podemos dizer, o centro do Rio encontra-se um uma de suas “laterais”, e isto devemos a forma como o Rio cresceu, fazendo de seu principal ponto seu centro (o porto) muito embora não o fosse geogaficamente.

O papel dos jesuítas na economia do Rio colonial

Desde o inicio a companhia de Jesus exerceu importante papel na vida econômica do Rio de Janeiro, desde o século XVI. A ordem fundou o colégio, no morro do castelo e operou o primeiro porto na base do morro. Muitos engenhos, como Engenho Novo, Engenho Velho, São Cristovão, Macaé, Campos dos Goytacazes e Santa Cruz, são exemplos de engenhos fundados pelos jesuítas. Em Santa Cruz e em Campos a ordem ainda desenvolveu a pecuária, vindo a tornar-se importante abastecedora de carne para a vila do Rio. Os implementos da companhia eram rentáveis, ela controlava a educação. Sua engenharia era avançada, tendo construído na região de Sepetiba uma rede de canais navegáveis, além de drenagem das baixadas, interligando a região do rio Guandu ao rio Itaguaí.
Ao assumir o governo português, o Marquês de Pombal decidiu pela expulsão dos jesuítas das terras portuguesas, em 1760, 200 padres são expulsos do Brasil e as terras da companhia foram desapropriadas e loteadas. O Rio cresceu lentamente, mas, seu crescimento dinamizou toda a região em torno da vila desde os primeiros momentos de sua fundação, o comércio se fez uma atividade presente, mais tarde a economia açucareira foi o desdobramento do capital obtido com o comércio com a região do prata e com a África.
Podemos assim dizer: O Rio foi o laboratório onde foi gerada a urbanidade do Brasil. Uma vila, até certo ponto modesta, porem forte praça comercial e marítima.

Por: Celso de Almeida.

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