A história mostra-nos o mais largo horizonte da humanidade, oferece-nos os conteúdos tradicionais que fundamentam a nossa vida, indica-nos os critérios para avaliação do presente, liberta-nos da inconsciente ligação à nossa época e ensina-nos a ver o homem nas suas mais elevadas possibilidades e nas suas realizações imperceptíveis.(...)A experiência do presente compreende-se melhor reflectida no espelho da história. Karl Jaspers

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

O clientelismo no Brasil dos oitocentos-análise.


O texto de Ivan Vellasco tem como principal objetivo realizar uma análise da sociedade brasileira e apresentar explicações para sua inaptidão para universalizar direitos e a incapacidade do Estado de construir e avalizar um contrato social baseado na realização plena da cidadania, entendendo-se cidadania como um corpo de direitos alicerçados em bases contratuais e assegurados pelo Estado. Para tal, Vellasco realiza um debate bibliográfico e historiográfico, o autor aponta pontos de convergência e discordância entre diversos autores. Levando em consideração que este texto não tenha pretensão de ser didático e sim um texto mais acadêmico, podemos observar que o vasto debate realizado entre os autores torna sua leitura instigante.
Tem-se elaborado diversos modelos na tentativa de explicar as razões do nosso atraso e constantemente a base de apoio para estas explicações esta calcada na formação da nossa sociedade, e quais os motivos apontados para que não estivéssemos incluídos no fluxo de progresso das sociedades ocidentais, esses motivos seriam frutos de nossa formação. Os elementos formadores de nossa sociedade podem estar apoiados em base herdada ou construída, mental ou social.
Alguns fatores aparecem com freqüência como causas determinantes deste atraso: herança ibérica; determinações de uma sociedade feudal com um patriarcado rural, a escravidão; como limitador de nossas ações, estrutura agrária e concentradora e uma sociedade calçada nos vínculos de dependência pessoal. Neste emaranhado de postulações existe, segundo o autor: “uma virtual inexistência de homens livres, no plano das escolhas e dos horizontes mentais, da dominação asfixiante dos senhores rural”, evidente que uma sociedade construída sobre as bases da não liberdade e da subordinação ao interesse de poucos sobre os direitos de muitos não poderia de forma alguma ser destinada ao progresso.
Diante destas constatações o texto passa a discutir as relações entre Estado e sociedade. Neste debate um fator tem sido apontado constantemente, a presença e permanência da lógica privada no interior do espaço público. Este fato seria o definidor do nosso comportamento na esfera pública, sempre inundada das relações pessoais como fator de determinação de políticas públicas, culminando assim, em uma privatização do público. Este hábito prolongado através dos tempos acaba por sugerir que este seja um comportamento seja uma espécie de conscientização da normalidade, mais ainda, surgem os defensores que afirmam que tal método seria válido. A inquietação com a possibilidade de aceitação de que é correto que o menor (privado) valha mais que o maior (público) é que determinou a escrita do texto de Ivan Vellasco. Ampliado para as novas formas de entendimento da moderna historiografia.
O texto trabalha estas questões a partir do subtítulo: Ordem privada, dependência e clientelismo: os modelos interpretativos. O texto apresenta uma gama variada de análises do pensamento social brasileiro, ancorado pelo pensamento do domínio da lógica privada, a favor do patronato e do clientelismo como formas de determinação social pode-se trabalhar com três linhas de explicação.
A primeira linha de análise esta baseada nas determinações da estrutura social como sendo definidas pelo processo de colonização, apresentadas em uma estrutura social, onde existia um Estado incipiente e fraco frente aos poderosos proprietários rurais, estes sim, com seus poderes absolutos, que tornam “suas propriedades” as instituições públicas locais para a realização de seus interesses privados, sempre na busca da obtenção e distribuição de benesses, autores como Oliveira Viana e Nestor Duarte são defensores desta linha de pensamento. Esses proprietários frente à fraqueza do Estado, que se via impossibilitado de quebrar este circulo, formavam verdadeira rede da qual o clientelismo era sua principal fonte de domínio. E neste modelo de sociedade inexiste a possibilidade de um sistema liberal, que incorpore indivíduos à cidadania, é um tipo de estrutura social marcada pela preponderância do poder privado e pela dependência e incapacidade propositiva dos dominados. É nos postulados de Oliveira Viana que Caio Prado busca embasamento para a imagem de um clã patriarcal, como descrito em seu livro, Formação do Brasil Contemporâneo, uma sociedade formada por uma categoria de senhores e de escravos, nitidamente definidas e que encontravam coerência na racionalidade do modo de produção econômica reduzida a monocultura exportadora e ao grande latifúndio escravista que nos incluiria modelo de mercado capitalista. Existiria ainda segundo Caio Prado uma categoria dos desclassificados, formada por uma massa disforme, tosca, sem lugar ou função no sistema, descartáveis para a apreensão do movimento social. Para Maria Silvia de Carvalho esta massa de “descartáveis” vagou ao longo de quatro séculos, e seu único vinculo com a sociedade se dá através das relações senhoriais de dependência, era uma massa submissa e incapaz de demonstrar interesses, mesmo porque não seriam capazes de efetivá-los, neste sentido, serviam perfeitamente a lógica da dominação privada. Em consonância com Caio Prado, Luiza Werneck afirma ainda, “desse indivíduo dependente não sai o cidadão”. Maria Silvia aponta ainda que a falta de recursos de um Estado, sabidamente patrimonializado, como um dos fatores que o impediam de implantar uma ordem social racional-legal, seria necessário portanto, uma transformação a fim de produzir um Estado capaz de separar os espaços e interesses públicos dos privados. Esta era uma visão simplista da estrutura social, e a ela Kátia Mattoso opõem-se com a seguinte afirmação: “de maneira peremptória e definitiva, a mais pobre das visões, a mais imprecisa das descrições de uma sociedade”. Destas relações de favor entre os senhores e os pobres livres surgia um contexto da sociedade, baseada nas benesses da patronagem e do clientelismo.
A segunda vertente de que o texto trata fornece como forma de estruturação da sociedade brasileira o transplante do Estado patrimonial ibérico, esta vertente da conta do transporte e reprodução das estruturas de Portugal e que aqui teriam sido reproduzidas ao longo de séculos, uma estrutura altamente centralizadora e imune a interferências de grupos sociais, até mesmo porque aqui não existiam estas forças capazes de interferir no processo. Simon Schwartzman destaca que a estrutura apresentada no modelo de transposição ibérica impossibilita a construção de uma ordem racional-legal, condição necessária a modernização e ao progresso. Neste sistema de domínio patrimonial-burocrático possuidor de um individuo desprovido de iniciativa e sem direitos diante de um Estado Centralizador, mesmo que este se apresente ineficiente. Schwartzman argumenta que apesar das deficiências o poder do Estado sustentava-se na própria máquina burocrática como forma de conseguir manter-se acima das estruturas locais, que só poderiam se expressar através de uma associação com o Estado.
Para destacar a postulação da terceira vertente interpretativa das nossas estruturas sociais destacaremos um trecho do autor; “analises acentuam nossa herança ibérica e formação social específica, que dariam as bases de uma cultura patriarcal, marcada palas relações pessoais, pelos vínculos afetivos e pelas relações familiares, todos esses avessos à lógica da universalização e indistinção que definiriam as instituições de um Estado moderno”. Esta analise é encontrada na obra Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, onde este aponta para os problemas na formação da sociedade brasileira como fruto da herança cultural ibérica, na forma do personalismo, também desenvolvido em solo brasileiro e que aqui for reforçado pela estrutura rural, contribuindo para definir as características do nosso patriarcalismo e patrimonialismo, em que se destaca de forma inequívoca a invasão da esfera publica pelo privado, em outras palavras poderíamos dizer que é o Estado tomado pela família. Holanda destaca a sociedade que tem nos laços de sangue e de coração como fornecedora de um modelo de sociedade baseada nas relações pessoais. O Estado brasileiro não foi formado com base em impessoalidade e na universalidade, fatores que caracterizam a formação do indivíduo moderno. No Brasil “cada individuo afirma-se ante os seus semelhantes indiferentes a lei geral (...) atento apenas ao que o distingue dos demais”. Nossa cordialidade , não iguala, mas distingue, distancia, hierarquiza. Roberto Damatta é outro autor que se põem em consonância com os escritos de Sérgio Buarque de Holanda, para ele uma sociedade formada através deste processo inspira constantemente “total desconfiança nas regras e decretas universalizantes”. Para Damatta o apadrinhamento e o compadrio solapam a universalidade dos direitos e deveres, o que em outras palavras impedem o estabelecimento da cidadania, que não teria se formado entre nós por falta de um Estado capaz de mostrar autoridade e solidariedade de forma tradicional.
Clientelismo, Estado e redes de poder
José Murilo de Carvalho destaca a maneira pela qual este tema é tratado, em uma espécie de senso comum, é um tema que todos têm conhecimento e do qual se sentem confortáveis para abordar. Segundo o autor, o conceito de clientelismo implica “um tipo de relação entre atores políticos que envolve concessão de benefícios públicos (...) em troca de apoio político”. O clientelismo se apresenta com variados matizes, ora aparecendo como uma manifestação do mandonismo local e suas variantes outras vezes parecem um fenômeno bem próximo ao “coronelismo”, ora se oponha a este como um correspondente urbano. Na obra de Richard Graham, este aborda o clientelismo como fruto de um sistema que superou na política brasileira ao longo do século XIX, não é, portanto, surpresa que os “homens do império” passassem a maior parte do tempo na construção de redes de clientelismo. Essas redes, propagadas e acionadas, através das eleições tornavam uma corrente capaz de ligar a corte até o local mais remoto do Território Brasileiro. Já Jose Murilo de Carvalho provoca uma reviravolta no conceito de clientelismo, afirmando que ao contrário do que se possa imaginar o desequilíbrio da balança política pendia para o lado dos senhores rurais. Ao que parece o Estado era cliente do senhoriato rural.
Outras linhas de análise vêm sendo adotadas, linhas estas que apontam para uma possível rede de clientelas nucleadas na família e ampliadas através de alianças, que garantiriam coesão política e econômica.
Autores como Hespanha e Xavier, participantes das reflexões mais recentes a cerca da historiografia brasileira, apontam para uma nova forma de entender estas relações, baseadas na “economia do Dom ”. Estes mesmo autores salientam que as redes clientelares não se resumiam a relações de dominação e submissão, ao contrário, eram fundamentadas na ambigüidade, como uma geradora de “redes de interdependências”. Não havia somente a lógica do controle unilateral e do interesse, havia um jogo de reciprocidade, direitos, deveres e compromissos, que acimentavam uma rede social, que de outra forma não se sustentaria.
O texto mostra que as relações clientelistas devem ser pensadas em uma lógica de reciprocidade onde ocorria uma ajuda mútua e que as ações dos envolvidos, ou dos que acreditam dela participar, era determinada pelo laços da parentela e da aliança. Hespanha e Xavier mostram nesta afirmação a síntese de seus pensamentos sobre o clientelismo: “na relação patrão-cliente exige-se uma contensão de parte a parte, numa busca incessante de justiça (...) esse tipo de relação é todo menos arbitrária”.
A partir das preposições apresentadas, Ivan Vellasco procura trabalhar no sentido de realizar uma análise das idéias, ele destaca o evidente posicionamento dos autores que situam o fenômeno das redes clientelares como parte de uma lógica estruturante das relações sociais produzidas no antigo regime, uma sociedade historicamente definida e que mais tarde ganharia um tom espúrio e ilegítimo. A economia do Dom como forma de equilíbrio entre os poderes locais e centrais, privado e Estado, em uma lógica de alimentação recíproca desde as primeiras décadas dos oitocentos.
Não podemos ficar atrelados a esta ou aquela corrente; Estado Forte, Estado Fraco, Poder local suplantando o Estado Central, tudo isto na realidade fez parte do processo de estabelecimento desta sociedade em formação, que por fim foi forjada no calor das negociações. Por um lado o período colonial fica caracterizado com o predomínio do privado sobre o poder público, das redes de clientela sobre a lógica das instituições de governo, a partir da Constituição de 1824, e o desenvolvimento inicial do Estado-Nação gera o início de um longo processo de polarização e ao menos tendencialmente, de inversão.

Análise do texto de Ivan Vellasco: Clientelismo, ordem privada e Estado no Brasil oitocentista: notas para um debate.

Por:Celso de Almeida.

As notícias em Paris: Uma pioneira sociedade da informação no Séc. XVIII



 Podemos afirmar que a Paris do Antigo Regime possuía um peculiar modo de propagação de notícias, oficiais e extra-oficiais, as notícias oficiais publicadas em jornais, com forte crivo da censura e uma publicação voltada para atender aos interesses do governo, mas, sem dúvida as notícias que “corriam” de forma extra-oficial, são as mais interessantes, por não estarem sob o jugo da censura, eram mais livres e recheadas de temas que na maioria das vezes eram contrários aos interesses da monarquia. Então poderíamos perguntar: como se ficava sabendo das notícias em Paris por volta de 1750? Se a leitura de jornais não trazia grandes novidades (censurados pelo governo) o “jeitinho parisiense” era recorrer a conversas informais, como por exemplo, os que aconteciam sob um grande e frondoso castanheiro localizado no coração de Paris, apelidado de Árvore de Cracóvia. Como um poderoso imã a árvore atraía boateiros (nouvellistes de bouche) que espalhavam de boca em boca as notícias sobre os eventos correntes. As notícias, geralmente sobre os bastidores do que ocorria no poder, eram dadas com a “certeza” de sua veracidade, eram “sempre” informações vindas por informantes de dentro do próprio Palácio de Versalhes. O próprio governo mandava à árvore seus espiões, para saber do que se falava nas ruas, governos estrangeiros enviavam mensageiros, para colher e também implantar boatos. Mas, não era somente na Árvore de Cracóvia que ocorriam tais reuniões; outros centros nervosos também transmitiam “rumores públicos”: cafés, bulevares, tulherias e o Jardim de Luxemburgo, eram outros dos pontos de transmissão das notícias.
Os parisienses tinham um ávido apetite por informação, que era coletada e comparada a fim de descobrir o que de fato estava acontecendo. Famosos salões de Paris também se encarregavam desta rede de transmissão de notícias, mas acima de tudo na Paris destes tempos, ter acesso a notícias significava postar-se na rua e manter ouvidos atentos.
Por mais atípico que pareça as diversas formas de circulação de notícias, quer fossem: oral, manuscrita e impressa, feita clandestinamente era, muito provavelmente, a mais “confiável” no que tange a realidade do que estava acontecendo, pois através de jornais e gazetas autorizadas, as notícias que circulavam eram somente aquelas que interessavam ao governo. Os censores do governo não somente reprimiam a heresia e a sedição, também protegiam privilégios, pois que, alguns jornais possuíam “privilégios régios” para a cobertura de certos assuntos, e qualquer novo periódico não poderia se estabelecer sem pagar aos inspetores do comercio de livros. Muitas vezes a própria imprensa francesa exagerava ao falar do servilismo dela mesma, existiam numerosos periódicos, muitos deles escrito em Francês, fora da França, que forneciam informações sobre os eventos políticos, especialmente durante o reinado relativamente liberal de Luís XVI. Mas claro, se algum desses se aventurasse a criticar o governo era imediatamente liquidado pela máquina repressora do regime, seja pela repressão policial, quer pela exclusão do correio . Portanto jornais existiam, mas traziam poucas noticias, e contavam com pouca confiança do leitor, mesmo os impressos fora da França.
A imprensa estava longe de ser livre, era subdesenvolvida, se comparada à imprensa holandesa, inglesa ou alemã no mesmo período. Este subdesenvolvimento, no entanto não pode ser creditado de forma alguma a capacidade do público leitor, uma vez que, esse público era bastante curioso a respeito dos negócios públicos e começava a tomar consciência de si próprio como uma nova força política, começava assim a surgir a “opinião pública”, mesmo ainda sem direito a voz na condução do governo. Existia, portanto uma clara oposição entre uma população sedenta de notícias e um governo de formas absolutistas que mantinha sob a imprensa pesada mão de ferro.
Não se pode observar os meios de propagação de notícias na França do antigo regime de forma anacrônica, não havia os meios que hoje existem, no entanto isto não significava simplicidade ou falta de meios, era diferente, no entanto existia uma densa rede de comunicação formada por meios e gêneros hoje esquecidos. Notícias transmitidas em mensagens sobrepostas e entrecruzadas; faladas, escritas, impressas, desenhadas e cantadas. De todas, a de mais difícil observação e análise para o historiador é comunicação oral, porque esta quase sempre desaparece no ar. Mas felizmente para o historiador o antigo regime francês era um estado policial (entenda-se “policial” a maneira do século XIX, como administração municipal) e esta polícia era sensível à importância da opinião pública, mantida sob constante vigilância por espiões em todos os lugares onde s pessoas se reuniam. Claro está que não se deve levar em conta literalmente o que está escrito nos arquivos policiais. Eles tinham um viés embutido, que muitas vezes revelava sobre seus autores do que sobre as pessoas observadas.
Os documentos que dispomos na Bastilha é uma amostra tendenciosa, claro, mesmo porque a polícia não prendia as pessoas que falavam a favor do rei, desta forma devemos levar em consideração que importantes instrumentos que nos possibilitariam análises podem ter sofrido distorções. A análise destes documentos também revela que assuntos como a vida sexual da corte era assunto que fornecia vasto material para os “fuxicos”, e que a opinião pública nem sempre estava contra os acontecimentos da corte, havia momentos de júbilo e de revolta. Muitas histórias eram contadas utilizando-se personagens fictícios. As canções também foram um importante meio de transmissão de notícias, muitas delas originavam-se na corte, mas terminavam por alcançar as massas populares, os parisienses possuíam uma forma peculiar de lidar com as canções, eles compunham novos versos e utilizavam velhas melodias, de acordo com os novos acontecimentos que desejavam retratar. Nesta Paris podia-se mesmo dizem que havia “uma monarquia absoluta temperada por canções” neste ambiente, uma canção envolvente poderia facilmente espalhar tão rapidamente quanto um rastilho de pólvora, e à medida que se espalhava seu crescimento era inevitável, pois a ela eram acrescentadas novas palavras e versos: muitos destes versos, escritos em pequenos pedaços de papel e trocados nos cafés, ainda podem ser encontrados em “caixas, guardadas na Bibliothéque de L’arsenal em Paris, tendo sido confiscados por inspetores de polícia aos prisioneiros da bastilha. Pelo episódio que envolveu o conde de Maurepas, ministro da marinha e amigo íntimo do rei, pode-se ter uma noção d proporção do “sucesso” que alcançou este tipo de midi na Paris absolutista, Maurepas se serviu das canções para regalar ao rei, levando a estes canções que falavam tanto de seus inimigos, como também aquelas que falavam dele mesmo. Isto sempre divertiu Luis XV, até o dia em que Maurepas deixa vazar em forma de canção um episódio ocorrido dentro dos aposentos do rei, onde só se encontravam o rei, sua amante (Mme Pompadour) juntamente com uma prima sua e o próprio conde, evidentemente Luis chegou à conclusão obvia de que quem havia “vazado” os acontecimentos fora o conde, tendo o rei providenciado sua dispensa do cargo e seu banimento de Versalhes.
As letras das canções eram de tal forma, acrescidas de palavras e versos e passadas de um para outro, que a polícia de Paris pode constatar a impossibilidade de chegar do verdadeiro autor de qualquer uma delas, como no exemplo da música “monstre dont La noire furie” (Monstro cuja negra fúria), ofensiva a Luis XV, mas que a polícia depois de 14 detenções cada uma produzindo um relatório diferente, se viu impossibilitada de determinar seu autor.
Fossem cantados ou recitados de memória estes versos não tardavam a chegar às gazetas manuscritas e mais tarde as impressas. Tal importância ganhou este tipo de propagação das notícias que dois longos poemas que falavam de forma hostil a história do reino de Luis XV, não tardaram a tornar-se “best-seller” na década de 1780. Ao discutir o surto de canções e poemas em 1749, a obra comentava:
“Foi nessa época vergonhosa que o escárnio geral pelo soberano e sua amante começou a tornar-se manifesto, depois continuou a crescer até o fim do reinado [...]. Esse escárnio irrompeu pela primeira vez em alguns versos satíricos sobre a infâmia cometida contra o príncipe Edward [Charles Edward Stuart, ou Belo Príncipe Charlie, o Jovem Pretendente, que foi preso em Paris em 10 de dezembro de 1748, e expulso do reino em conformidade com exigências britânicas aceitas pela França na paz de Aix-la-Chapelle], nos quais Luís XV é interpelado numa passagem que o compara com aquele ilustre exilado:
Il est roi dans les fers; qu’êtes-vous sur le trône?
[Ele é um rei sob grilhões; quem és tu no trono?] “

Todas as figuras públicas eram satirizadas pelos versos e canções, as estrofes cobriam todos os grandes eventos e os assuntos políticos entre 1748 e 1750, a versificação era tão simples que novos alvos de zombaria podiam facilmente ser acrescentados a medidas que os eventos se desenrolavam. É impossível aquilatar o tamanho desse “corpus”, mas podemos ter idéia quando se constata as evidências encontradas nos arquivos em Paris. E a conclusão é de que se tratava de uma mídia de gigantescas proporções, portanto, impossível de ser parada ou detida. Hoje ainda se pode ter acesso nas principais bibliotecas de paris, a um grande número de versos que a aproximadamente 250 anos formavam canções, claro que com o passar do tempo os sons se perderam.
Ao estudar os meios de comunicação da Paris do antigo regime não podemos pensar em separação, deve-se entender como um processo que não importava a origem da mensagem, mas sua ampliação e de que maneira alcançava o público, uma propagação que não reconhecia territórios ou classes sócias, até mesmo porque nesta Paris todos os públicos se cruzavam por toda parte. É imperativo também se realizar uma análise da maneira que eram compreendidas as notícias, esta compreensão envolve recepção e difusão. A toda esta profusão de notícias, passadas por canções ou poesias escritas em pequenos pedaços de papel, muito dificilmente poderíamos chamar de história séria, talvez o mais correto e tratá-los como folclore político, no entanto não podemos ignorar este tipo de “noticiário”, é correto levá-los a sério, mesmo porque talvez ele tenha sido fundamental no colapso do antigo regime francês.
Os assuntos dos Libelles e Chroniques Scanda Leuses variavam pouco basicamente a corte fornecia o assunto que se fazia necessário a publicação como pode observar neste trecho:
“a corte está sempre afundando mais e mais na depravação, os ministros estão sempre enganando o rei, o rei está sempre deixando de cumprir seu papel como chefe de Estado, o poder do Estado está sempre sendo mal utilizado, e o povo está sempre pagando o preço pelas injustiças cometidas contra ele – impostos mais elevados, sofrimento crescente, mais insatisfação e impotência diante de um governo arbitrário e todo-poderoso” (...) “a polícia era uma série interminável de variações sobre um mesmo tema, decadência e despotismo.”

Para tentar explicar todo o processo é necessário remontar a renascença onde se desenvolveu a arte do insulto e da boataria, que com o passar dos anos modificou-se até culminar com esta vasta efusão de Libelles sob Luis XV e Luiz XVI. Certo é que: Libelles, fuxicos, poemas, canções, publicações, anedotas, todos se entrelaçavam em um sistema de comunicação tão poderoso que foi decisivo para a queda do regime.

Conclusão
O texto possui uma escrita contagiante para qualquer um com o pela forma de propagação de notícias, trata-se de uma forma de mostrar a história no ponto de vista oposto ao oficial, mesmo assim o autor consegue implementar veracidade, utilizando-se de fontes históricas, e nos mostra que seja em Paris do séc XVIII ou no mundo globalizado do século XXI é impossível conter a disseminação das notícias, mas na Paris do Antigo Regime a oralidade foi por certo o maior dos veículos de notícia, tanto que, a partir deste instante fez surgir uma importante forma de expressão de um povo, a “opinião pública”.


Análise do texto de Robert Darnton:As notícias em Paris: Uma pioneira sociedade da informação.

Por: Celso de Almeida.