A história mostra-nos o mais largo horizonte da humanidade, oferece-nos os conteúdos tradicionais que fundamentam a nossa vida, indica-nos os critérios para avaliação do presente, liberta-nos da inconsciente ligação à nossa época e ensina-nos a ver o homem nas suas mais elevadas possibilidades e nas suas realizações imperceptíveis.(...)A experiência do presente compreende-se melhor reflectida no espelho da história. Karl Jaspers

quarta-feira, 3 de março de 2010

Escravidão, construção da identidade e a Guerra de secessão dos Estados Unidos da América


A luta contra a escravidão nos Estados Unidos começou através de religiosos e da imprensa dos estados nortistas. Essas idéias de liberdade espalham-se rapidamente, pois ao contrário do Brasil, onde os escravos não recebiam qualquer tipo de escolaridade, nos Estados Unidos, a religião protestante incentivava a leitura da bíblia, o que obrigava a instrução dos escravos.
Estados do norte e do sul possuíam modos de vida diferentes, provocando em terras da colônia: Como a terra da liberdade e igualdade poderia conviver com escravidão? Nos estados do sul a firme convicção de que era impossível o convívio entre as raças e só a escravidão dava a certeza de manutenção da ordem social. Ainda mais, o sul tinha sua economia fortemente baseada no escravo seja no seu comércio, onde seu alto valor gerava bons lucros, ou no fato de que a produção nas fazendas estava totalmente vinculada à mão-de-obra escrava. Para “equilibrar” as diferenças era necessário estabelecer um “ponto de união” nacional, este ponto foi a expansão territorial, durante este processo de expansão ocorrem conflitos com o México, e a dura batalha gera heróis e mártires nacionais, e acirra a idéia do “destino manifesto” que era, de que o povo norte americano era o novo, “povo escolhido”, e que seu destino era levar democracia e liberdade para todos os povos e religiões (luz para o mundo), processo semelhante ao ocorrido com o nacionalismo europeu que “vendia” a idéia de que era necessário levar “progresso e civilização” a Ásia e a África.
Mas, a expansão territorial, como ponto de união nacional não foi plenamente alcançado, permanecia o conflito de idéias escravistas e anti-escravistas, sobre de que forma os novos territórios tratariam a questão da escravidão. Entra em cena David Wilmot que apresenta ao congresso uma proposta de fim da escravidão nos novos territórios, a “Cláusula Wilmot”, apesar de não aprovada, gera nos estados sulistas um sentimento de ira, talvez pela correta percepção de que a escravidão caminhava para um ponto de encontro com seu fim. Tentando de alguma forma salvar seu modo de vida (para os estados sulistas este foi o mais forte dos motivos para a guerra) os estados do sul passam a cogitar com mais seriedade a possibilidade de abandonar a união.

A Guerra de Secessão (1861-1865)

Mesmo com a conquista de novos territórios gerando um reforço da identidade nacional, o problema estava longe de ser resolvido, o norte permanecia em expansão industrial e urbana, e via o surgimento de uma classe media nas cidades, em oposto ao sul que permanecia com sua economia centrada na zona rural e mantinha a relação escravo e senhor, como forma de não modificar seu modo de vida, onde prevalecia uma verdadeiro regime aristocrata, que não desejava abrir espaços para qualquer possibilidade de mudança.
Em comum o norte e o sul tinham a parceria no comércio exterior e a idéia da superioridade da “raça” branca. Racismo e preconceito existiam dos dois lados, ao sul claramente escravista esta posição já é suficientemente estabelecida, e no norte onde a pressão contra a escravidão era mais forte, o preconceito manifestava-se pela ausência do negro nas esferas decisórias, é importantíssimo lembrar que ambos, tanto norte quanto o sul, não possuíam dúvidas da inferioridade “racial” negra. Portanto a guerra que se aproxima não tem uma ligação direta com da manutenção ou não da escravidão, o que os dois lados lutavam era para manter seu modo de vida, suplantando assim as idéias do adversário.
O rompimento das relações veio logo após a eleição de Abraham Lincoln, que apesar de acreditar na superioridade branca, era um anti-escravista, no entanto não possuía uma clara posição sobre uma possível abolição da escravidão, esta posição de dubiedade de Lincoln fazia com que os nortistas defensores do fim da escravidão o vissem como um conservador e como um abolicionista pelos sulistas. Na verdade o presidente era contra a escravidão nos novos territórios, e favorável a que a escravidão fosse isolada aos estados onde já existia. A grande radicalidade de Lincoln residia na defesa da união nacional, fortemente defendida por Lincoln, não admitindo de forma alguma a possibilidade de secessão.
Os estados dos sul julgavam que a expansão territorial, e o conseqüente aumento da área escravocrata, era fundamental para a manutenção do modo de vida sulista, para estes a eleição de Lincoln representava um bloqueio em suas pretensões, uma vez que a expansão da escravidão para os novos territórios encontrava oposição forte do presidente, esta “queda de braço” acabou por ser o estopim que faltava para o inicio da guerra. A Carolina do Sul foi o primeiro estado a romper com a união sendo seguida pelos demais estados escravistas, esta posição entrava diretamente em choque com o único ponto que Lincoln considerava inegociável.

Erros e acertos dos dois lados

O primeiro erro de estratégia de ambos os lados foi a avaliação do tempo de duração da guerra nortistas e sulistas julgavam que esta seria uma guerra rápida, é claro que os dois lados imaginavam-se vencedores ao final, erraram, foi uma longa guerra onde morreram cerca de 618.000 americanos, batalhas sangrentas foram travadas, atrocidades e carnificinas foram cometidas pelos dois lados, em números reais foi a guerra que mais americanos matou. O norte, já a esta altura em franca expansão industrial, estava mais aparelhado militarmente, possuía uma boa malha ferroviária, o que facilitava o deslocamento da logística necessária a guerra, além disto, possuía uma capacidade de recrutamento bem maior que o sul. O sul “aristocrata”, munido com seu tradicional sentimento de superioridade racial, avaliou que a guerra contra a “ralé” nortista seria breve e que sua vitória seria rápida. Apesar de possuir os melhores comandantes e estrategistas isto não foi suficiente contra a superioridade bélica e numérica do norte, fazendo com que a guerra se prolongasse, e longa duração da guerra trouxe mais prejuízos ainda para os sulistas, seu contingente de recrutamento era baixo, tendo em vista tratar-se de uma economia latifundiária centrada na mão-de-obra escrava e afinal, em princípio, os escravos não iam a guerra.
Neste ponto do conflito havia duas sociedades lutando por suas ideologias de vida, o sul lutando pela preservação do seu modelo de sociedade e o norte lutando para impor a não secessão de estados.
A confederação (sulistas) comete então outro grave erro, julgando que sua produção agrícola, principalmente algodão, fosse fundamental para a Europa, a confederação suspende as exportações para o “Velho continente” na esperança de que alguns países compradores pudessem vir com seu socorro, erraram, a Inglaterra, principal compradora já não dependia do algodão dos estados confederados, tendo encontrado fornecedores alternativos esta estratégia agrava a já combatida economia sulista, dificultando a manutenção do financiamento para a guerra. A economia do sul combalida pela guerra e pelas estratégias adotadas sofre então mais um duro golpe; o bloqueio comercial feito pela União (Norte) que gera desabastecimento e fome generalizada. Como atitudes desesperadas os governantes sulistas tomaram duas decisões que só viriam a agravar o quadro já existente: confisco de alimentos para a manutenção das tropas e o alistamento de escravos, o primeiro gerou a perda do apoio popular, ou o que restava dele, já a segunda feita para solucionar o grave problema das deserções só serviu para agravá-lo ainda mais, ainda contribuindo para a diminuição da produção pela falta da mão-de-obra, que agora desertava e fugia para o norte.
Neste tempo as “leis de confisco” promulgadas por Lincoln, que davam direito de posse aos nortistas sobre os bens confederados, para isto bastava que aquele que conquistasse a terra liberta-se os escravos capturados ou fugidos.
Devemos lembrar ainda que a grande parte , quase uma totalidade, dos combates ocorreram e terras sulistas o que ocasionou grande destruição nas áreas onde estes se desenvolviam, enquanto isto no lado da união o crescimento da industrialização transcorria de maneira normal.

Lincoln e a guerra

No início o principal foco de Lincoln não era o fim da escravidão, seu principal objetivo era a manutenção da união, porém, no transcurso da guerra, a política abolicionista e a grande fuga dos escravos do sul para terras nortistas acabaram por transformar a luta pela união em luta que envolvia também a abolição da escravidão.
O norte venceu a guerra graças a sua superioridade numérica, possuía uma indústria têxtil que se fortaleceu com a guerra juntamente com a indústria armamentista, houve também um grande engajamento de imigrantes que chegavam em busca da “terra da liberdade e da igualdade”, pois no pensamento de todos participar da guerra os integrava de forma inquestionável ao novo país. A guerra forneceu o elemento de identificação nacional que faltava, um modelo único de sociedade. A abolição da escravidão serviu de justificativa moral para o conflito, e a ideologia nortista, agora imposta, defendia a democracia e da liberdade o “destino manifesto” da nação estava agora consolidado para muitos historiadores somente com o fim da guerra de secessão é que realmente consolidou-se a independência norte-americana.

Por: Celso de Almeida.



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