A história mostra-nos o mais largo horizonte da humanidade, oferece-nos os conteúdos tradicionais que fundamentam a nossa vida, indica-nos os critérios para avaliação do presente, liberta-nos da inconsciente ligação à nossa época e ensina-nos a ver o homem nas suas mais elevadas possibilidades e nas suas realizações imperceptíveis.(...)A experiência do presente compreende-se melhor reflectida no espelho da história. Karl Jaspers

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Novas tecnologias na educação



Para analisarmos a importância da entrada de novas tecnologias na educação, deve-se ter em mente que o avançar destas tecnologias sempre ocorreu na história do ser humano, visando sempre propiciar um aumento de suas possibilidades de sobrevivência. A evolução das tecnologias utilizadas na educação é nítida e irreversível, trazendo imensa contribuição positiva ao ensino, contudo, não se deve deixar de ressaltar que nem tudo é benéfico nesta “invasão” da educação. Nesses tempos de sociedade globalizada, e informação diversificada existe um processo de adequação que precisa ser feito, e sua adaptação precisa ser realizada etapa a etapa para possibilitar que todos os envolvidos neste processo educacional possam compreender o avanço que se apresenta e preparar-se para a convivência e boa utilização dos meios que lhe são ofertados a cada dia. Professores, escolas, alunos e a sociedade necessitam estar prontos para esta nova realidade. Todas as tecnologias aplicadas, tanto na educação quanto em qualquer outra parte do cotidiano humano um dia já foi motivo de surpresa, no entanto com o passar do tempo e seu uso diário deixam de causar estranheza, não sendo mais encaradas como artefatos tecnológicos.
São tantas inovações tecnológicas introduzidas na educação que já podemos dizer que são novas tecnologias para uma nova educação. Como todas as inovações elas contribuem com aspectos negativos e outros positivos. Dentre os aspectos positivos destacados por Vani Moreira, Texto: “em foco: educação e tecnologias” podemos citar: aumento das possibilidades de comunicação e de informação entre as pessoas; desterritorialização do conhecimento e a possibilidade do surgimento de uma sociedade da informação; já nos aspectos negativos segundo a autora, destacamos: o fato de que essas novas tecnologias ainda não estarem disponíveis a todos, a necessidade da formação de docentes aptos a interagir com estas novas tecnologias e a inadequação da estrutura curricular, fato que ainda não permite a plena utilização das novas técnicas.



A relação professor e novas tecnologias



As novas tecnologias não vieram para substituir os professores, mas modificam algumas de suas funções; o professor não é mais o único detentor/repassador de conhecimentos e informações, na era da sociedade da informação, esta tarefa está fortemente ligada aos bancos de dados, livros, vídeos. O professor deve estar preparado, tendo os bancos acadêmicos importância singular nesta preparação, para ser agora o estimulador da curiosidade do aluno por querer conhecer; pesquisar; buscar informação mais relevante. É importante que o professor assuma também o papel coordenador da apresentação dos resultados obtidos nas pesquisas dos alunos. Alguns dos dados apresentados contextualizam os resultados, os adapta a realidade dos alunos, transforma a informação em conhecimento, e o conhecimento em saber; em vida; em sabedoria. Aos professores não restam muitas saídas, segundo Burgo Jung em seu livro: Preparing teachers for the 21st century, “o futuro é determinado pelas escolhas que fazemos no presente. Os professores têm a opção de se recostar e deixar as mudanças invadirem seu mundo e só então, reagir; ou de participar ativamente na moldagem do futuro.”
Estas novas tecnologias vieram para ficar, portanto, não existe possibilidade de que exista em um futuro bem próximo, um bom profissional da educação que não seja capaz de interagir com todas estas novas possibilidades tecnológicas, é necessário adaptação dos cursos de formação de professores a estas novidades, os currículos escolares por sua vez não podem continuar atrelados a tecnologias passadas. Ao governo e aos empresários da educação, cabe a obrigação de fazer chegar a cada sala de aula as novas tecnologias que possibilitem a igualdade do direito de acesso a todos, contribuindo para a democratização cada vez maior da informação, e dando ao professor a possibilidade de se reposicionar como o mediador desta busca pela informação.
Não adianta a luta “romântica” pela “velha” forma de educação, não resta dúvida que tecnologias como: vídeos; TV, cd; DVD; data show (meio de comunicações audiovisuais), dentre outras, vieram para ficar, mas, sem dúvida o que realmente veio para “sacudir” a educação é o uso do microcomputador e o acesso à internet, cada dia mais democratizada. Esta é uma realidade em algumas escolas, mas também uma tendência de médio e longo prazo em toda a rede de ensino. O professor precisa rever suas posições e ampliar a utilização destes recursos, isto é sem dúvida, “falar a língua” dos alunos, e saber utilizar estes recursos é a forma de aproximação que resta aos mestres, para atingirem suas metas educacionais.
O aluno nem precisa ir à escola para buscar informações, no entanto, informação nem sempre significa conhecimento, e é aí que entra o professor, é ele quem deve ajudar a interpretá-las, relacioná-las, hierarquizá-las, ele é quem deve ajudá-los a questionar, a procurar novos ângulos, a relativizar as informações e a tirar conclusões.
A facilidade de obter as informações está levando a uma acomodação no encontro dos primeiros resultados, a uma leitura superficial, é onde se torna importante o papel do educador, não como apenas repetidor de informações prontas, mas como um articulador de aprendizagens e um avaliador de resultados.



A escola e as novas tecnologias da educação



Manter a escola tal como está, é insustentável, é preciso incentivar as mudanças, flexibilizar aulas e currículos, gerar aulas diferentes, estimular a criatividade. A rotina e a monotonia esterilizam a motivação dos alunos, são muitas as novas tecnologias a disposição para aprender e ensinar. No entanto, a simples introdução dos meios tecnológicos na escola, pode ser uma forma enganosa de ocultar seus problemas, sob a bandeira da modernização tecnológica. O desafio é como inserir na escola ao mesmo tempo: experiências culturais heterogêneas, o entorno das novas tecnologias da informação e da comunicação. A internet, o celular, a multimídia, estão revolucionando nossas vidas, no entanto na educação sempre colocamos dificuldades para mudança, sempre buscamos justificativas para a inércia, ou pior, mudamos os equipamentos, mas não os procedimentos. A escola precisa observar o que está acontecendo nos meios de comunicação e trazê-los para a sala de aula, discutindo com os alunos, ajudando-os para que percebam os aspectos negativos e positivos das abordagens de cada assunto. As tecnologias ajudam a desenvolver habilidades criativas, e o professor deve adequar cada habilidade a um determinado momento e a cada situação de aprendizagem.
A educação é um processo de construção da consciência crítica, e as novas tecnologias são pontes entre a sala de aula e o mundo, permitem mostrar várias formas de captar um mesmo objeto, representando-o sob ângulos diferentes, são diferentes formas de repensar a realidade, mas, todas elas combinadas, integradas, possibilitam o desenvolvimento de todas as potencialidades do educador, dos diferentes tipos de inteligências, habilidades e atitudes dos alunos. A escola é um espaço de inovação, de experimentação saudável de novos caminhos. Não devemos romper bruscamente com o passado, mas programar mudanças e supervisioná-las com equilíbrio e maturidade.

Celso de Almeida.

*Foto: Novas tecnologias

Montezuma e os signos


Este texto, Montezuma e os signos, aborda a importância dos símbolos para os povos do novo continente. Os Astecas que possuíam uma visão cíclica do tempo utilizavam estes símbolos para justificar acontecimentos do passado, do presente e para previsão do futuro. Destaca a diferente forma de comunicação entre índios e espanhóis, diferença essa que leva a um sentimento de superioridade espanhol, mas cabe ressaltar que não existe inferioridade dos índios, nem no plano lingüístico, nem simbólico; como destaca o texto analisado, na época da chegada de Colombo, foram os índios que primeiro aprenderam a língua dos espanhóis e não o oposto.



As formas de adivinhação e interpretação de mensagens


Os índios dedicavam grande parte de seu tempo a interpretação das mensagens, todas relacionadas as diversas formas de adivinhação existente. A primeira delas é a adivinhação cíclica realizada pelo sacerdote local, tendo como base religiosa o calendário religioso de treze meses que indicava um caráter próprio de cada dia, levando o indivíduo a um futuro prospero ou nefasto de acordo com as predestinações do dia de seu nascimento, em acordo com o livro dos destinos e o calendário. A segunda forma de adivinhação era a pontual, que usualmente tomava a forma de presságios, qualquer acontecimento que saía do comum afastando-se da ordem pré-estabelecida, era interpretado como prenúncio de outro acontecimento, geralmente nefasto, estaria por acontecer, dando uma indicação clara de que nada acontece por acaso. Portanto, no cotidiano, assim como no excepcional “acreditavam em mil augúrios e presságios” (motolinia, II, 8), existiam ainda adivinhos profissionais que recorriam às técnicas habituais: pela água, grãos de milho, fios de algodão. Grandes chefes Astecas visitavam regularmente o adivinho antes da tomada de qualquer decisão importante. A história dos Astecas é contada em suas próprias crônicas, é feita de realizações de profecias anteriores, como se um acontecimento não pudesse ocorrer se não tivesse sido previamente anunciado. Só poderia tornar-se ato àquilo que foi anteriormente verbo. Estavam convencidos de que todas as espécies de previsão do futuro sempre se realizavam, e somente em casos excepcionais tentavam resistir à sorte que lhes era anunciada pelos videntes, mas via de regra tinham certeza de que todas se realizariam, viam o mundo como superdeterminado, tudo era possível e, portanto tudo era previsto, a palavra chave para os povos ameríndios era “ordem”. A sociedade determinava a sorte do indivíduo, este não representava em si uma totalidade social, é unicamente elemento constitutivo de outra totalidade, a coletividade. O que os Astecas mais prezavam não era a opinião individual, ou a iniciativa individual, o que importava era o social. A própria importância da família estava abaixo de importância do grupo social. Outro exemplo que demonstra bem a importância que os Astecas davam ao grupo e a seguir as normas já determinadas, é o do rei Nezahualpill, que manda executar a própria filha, por esta ter infringido a regra ao permitir que um jovem lhe dirigisse a palavra, este ao ser questionado sobre a excussão da filha responde: “que não devia infringir a lei a favor de ninguém, pois se o fizesse daria mau exemplo aos outros senhores e ficaria desordenado”. O benefício obtido da submissão a regra do grupo pesa mais que a perda de um indivíduo, por isso podemos observar os sacrificados aceitarem sua sorte, se não com alegria, pelo menos sem desespero; o mesmo acontece no campo de batalha, seu sangue serve para manter viva a sociedade. O futuro do indivíduo é determinado pelo passado coletivo, o indivíduo não constrói seu futuro, este se revela; daí o papel do calendário, dos presságios, dos augúrios.


As formas de comunicação

Forçando o sentido da palavra comunicação, pode se dizer que existem duas importantes formas de comunicação: na primeira a comunicação entre os homens e a segunda a comunicação entre o homem e o mundo. Constatamos que a comunicação cultivada pelos índios era a comunicação entre o homem e o mundo, e aos espanhóis importava principalmente a comunicação entre os homens. Habituados com a comunicação entre os homens, por imaginar o mundo como não sendo um sujeito sendo capaz de manter uma forma de diálogo; e ao perceber esta visão dos índios os espanhóis investem-se de um sentimento de superioridade ante o povo Asteca para quem a comunicação com o mundo desempenha papel de fundamental importância, por que interpreta o divino, o natural, o social, através de indícios e presságios.


A chegada dos espanhóis, os primeiros contatos e o medo do Rei


Durante a invasão espanhola, Montezuma nunca deixa de enviar espiões ao campo adversário, e sempre está ciente dos fatos: assim fica sabendo da chegada das primeiras expedições, ao passo que os espanhóis ainda ignoram completamente a existência dele. Os Astecas possuíam um sistema de “correio” extremamente bem organizado, realizado através de corredores (treinados desde a infância) que se revezavam, assim desenhavam seus mapas e mensagens em papel e podiam transmiti-los à distância. Durante a primeira fase da conquista, quando os espanhóis ainda estão perto da costa, a mais importante mensagem que Montezuma envia é a de que não deseja nenhum tipo de intercâmbio de mensagens. Ao receber as mensagens vindas da costa Montezuma não se alegra, muito ao contrário, na visão dos astecas: “Montezuma baixou a cabeça e sem dizer uma palavra, a mão sobre a boca, ficou um longo momento como (se estivesse) morto, ou mudo, pois não pode falar nem responder”. (Duran, III, 69). Esta paralisia não enfraquece unicamente a coleta de informação; já simboliza a derrota visto que o soberano Asteca, e antes de qualquer coisa, um mestre da palavra (ato social por excelência) e que a renuncia a linguagem é o reconhecimento de uma derrota. Os mensageiros traziam a Montezuma diariamente notícias dos movimentos dos invasores, e este, foi acometido de enorme medo, principalmente pelas informações pedidas pelos invasores a respeito de sua pessoa. Montezuma fica totalmente aturdido, sem saber que atitude tomar, segundo Duran, a reação inicial de Montezuma é querer se esconder no fundo de uma gruta. De acordo com os conquistadores, as primeiras mensagens de Montezuma afirmam que ele está disposto a dar-lhes qualquer coisa em seu reino, com uma condição: que renunciem ao desejo de vir vê-lo. Não devemos esquecer o pensamento divinizado em relação aos espanhóis (aos menos nos primeiros momentos da chegada). Sem saber que atitude tomar, Montezuma revela-se extremamente confuso, primeiro pune com a prisão os mensageiros que lhe trazem notícias dos espanhóis, depois, buscando auxílio dos presságios, no entanto, vendo que as previsões não lhe eram favoráveis, manda para a cadeia velhos e velhas, os sacerdotes temendo por seu próprio destino decidem nada mais revelar ao rei, e terminam também sendo punidos com a destruição de suas casas, morte de suas mulheres e filhos. Sendo então compreensível o rareamento de informações recebidas sobre o comportamento dos espanhóis ou para a interpretação dos presságios. Os inimigos de Montezuma agora não eram outros povos da meso-américa, e desta vez apesar de recolher informações não era tão fácil saber que atitude tomar, devido à enorme diferença no comportamento dos espanhóis. Todas as ações dos espanhóis pegam os índios de surpresa, como se fossem eles que conduzissem uma guerra regular e os espanhóis os atormentassem com movimentos de guerrilha. As atitudes de receio dos índios diante dos espanhóis começam pela enumeração dos presságios que anunciavam a vinda de homens estranhos para tomar o reino. Várias previsões, em diferentes épocas, feitas por adivinhos dos povos da meso-américa até o Peru davam sempre conta, com impressionante sincronismo, da chegada de homens estranhos para a tomada do reino. Os presságios são extremamente semelhantes em diversos pontos do continente americano, um cometa, raios, um incêndio, homens bicéfalos, pessoas falando durante o transe. Mas, tal coincidência de concordância entre os presságios e o que realmente ocorreu, leva-nos a acreditar que possam ter sido “inventados” posteriormente. Assim procedendo à solução para os acontecimentos estava encontrada, e esta solução é tão apropriada que ao ouvir o relato, todos pensam lembrar-se de que os presságios tinham realmente aparecido antes da conquista; enquanto isso, as profecias exercem um efeito paralisante sobre os índios que tem conhecimento delas. O modo como ocorreu o contato entre espanhóis e índios e responsável pela imagem deformada que estes terão dos espanhóis durante os primeiros contatos e, principalmente, pela idéia de que eles são deuses; idéia que exerce um fator paralisante e este fato só pode ser explicado por uma incapacidade de perceber a identidade humana dos outros, isto é, admiti-los ao mesmo tempo, como iguais e como diferentes. Esta capacidade de identificar os espanhóis como seres iguais faz com que os astecas tenham ocorrido naquilo que foi provavelmente o maior dos erros, enquanto os espanhóis na impossibilidade de identificá-los como seres humanos os tipificam como animais, os Astecas diante deste mesmo quadro de impossibilidade classificarão os estrangeiros como Deuses, erro que não tardou muito para que fosse notado, porém, este erro de avaliação durará tempo suficiente para que a batalha entre espanhóis e índios já estivesse decidida, e a América submetida a Europa.



A importância da palavra para o povo Asteca


Assim como outros povos, os Astecas também se identificavam e identificavam os outros povos através do domínio da língua, restando para aqueles que não eram entendidos o tratamento de pior espécie. A oratória era dignificada, e por isto os pais sempre preocupavam-se com o desenvolvimento de seus filhos nesta arte, os dignitários reais eram escolhidos principalmente por suas qualidades oratórias. A associação entre o poder e o domínio da língua e claramente marcada entre os Astecas. O próprio chefe de estado é chamado Platoani (aquele que possui a palavra), e o que designa o sábio é; aquele que sabe pintar e interpretar os manuscritos (o possuidor de tinta vermelha e tinta negra). O próprio Montezuma é tido como um orador nato. Quando falava atraía, com suas frases refinadas e seduzia com seu raciocínio profundo. Para destacarmos o poder da oratória Asteca podemos citar Vasco de Quiroga, que 15 anos após o fim do império Asteca, conta: “cada um deles nos agradeceu por sua vez, com tal eloqüência que era como se tivesse estudado a arte da oratória durante toda a vida.” A oralidade é em uma sociedade sem escrita é revestida de vital importância, cabe a ela a materialização da memória social, isto é, o conjunto de leis, normas e valores que devem ser transmitidos de uma geração a outra, para garantir a identidade da coletividade. A ausência da escrita é um elemento importante. Os desenhos estilizados, um grau inferior a escrita; mas registram a experiência, e não a linguagem. As três grandes civilizações ameríndias não se situavam em um mesmo grau de desenvolvimento da escrita, que variava de: totalmente ausente até rudimentos de uma escrita fonética. Mas, o importante a se destacar é que uma escrita ausente não pode assumir a função de suporte da memória, função que ficou destinada a palavra.


Religião, conceito de tempo e marcação

A religião, seja qual for seu conteúdo, é um discurso transmitido pela tradição, e o que importa é a garantia de uma identidade cultural. E exatamente por isso não é colocada em questão, a opinião pessoal não tem valor, não há como racionalizar uma tradição. Os espanhóis tentaram sem sucesso buscar razões para sua escolha pela religião cristã, e este insucesso de racionalização faz criar uma ruptura entre a fé e a razão. Sobre os indígenas podemos destacar a admiração de muitos estudiosos por um estado que dava atenção à educação das crianças: ricos e pobres são escolarizados, na escola religiosa ou na escola militar. Entre os índios a submissão do presente ao passado é uma característica marcante, o antigo tem ascendência sobre o novo. Nesse mundo voltado para o passado, dominado pela tradição, surgem os conquistadores estrangeiros: um acontecimento absolutamente imprevisível, surpreendente, único, tanto assim que se fez necessário presságios recolhidos posteriormente como forma de justificar o ocorrido. O tempo indígena é baseado em ciclos enquanto o calendário espanhol/europeu é linear, seguindo uma sucessão sem repetições. Para os índios haviam dois calendários, um religioso, de 260 dias e um astronômico de 365 dias, baseando-se estes calendários na condição de que a cada vinte ou cinqüenta e dois anos este ciclo se repete. Para demonstrar a idéia do tempo mostrada graficamente, para os Maias e astecas, é a roda e para nós a flecha. Os livros, Maias e Astecas, justificados por adivinhos e profetas, utilizando-se dessa concepção de tempo, permitem prever o futuro; já que o tempo se repete, e o conhecimento do passado leva ao conhecimento do presente e do futuro, pois que seriam em linhas gerais, a mesma coisa. Não são unicamente as seqüências passadas que se parecem, as futuras também. Por isso, os acontecimentos são contados ou no passado, em forma de crônica, ou no futuro, sob a forma de profecias.


Montezuma e Cortez, conquistado e conquistador


Montezuma estava atrelado a um mundo completamente ritualístico, com uma marcação de tempo em ciclos, onde acontecimentos do passado repetiam-se no futuro, daí no momento até então único, a chegada dos espanhóis, resulta a incapacidade de Montezuma em produzir mensagens apropriadas e eficazes. Grandes mestres na fala ritual, os índios se saem muito mal na improvisação, e esta é precisamente, a situação da conquista a invasão espanhola é um fato novo, jamais ocorrido, e exigiria improvisação dos índios a esta nova situação, no entanto, esta não é uma atitude a ser tomada com facilidade pelos índios. Cortez, no entanto, pratica a arte da improvisação diariamente, vê-se forçado a adaptar-se a novas situações constantemente, e tem plena consciência destas necessidades que pratica. Em vão Montezuma procura por alguma explicação no passado que o possibilitasse agir no presente, não encontra, e como improvisação não é um ato normal entre os índios, todas as suas mensagens enviadas aos espanhóis impressionam pela ineficácia. Para convencê-los a deixar suas terras Montezuma envia-lhes ouro, mais um erro, não poderia haver mais nada que os convencesse a ficar. Além de Montezuma outros chefes têm atitude semelhante na tentativa de tentar agradar os espanhóis e convencê-los a partir, e para tal, enviam-lhes mulheres, que terminam por servir como um segundo forte motivo para sua permanência, além de que, muitas vezes aliadas aos espanhóis, tornam-se importante armas contra os próprios índios. Em uma atitude de tentativa de desencorajar os espanhóis, os astecas anunciam que todos os prisioneiros espanhóis seriam sacrificados e comidos, esta atitude ao contrário de desencorajá-los, faz com que lutem com maior afinco, afinal agora só existe uma escolha, vencer. Tendo falhado em todas as mensagens enviadas ao invasor, começam a falhar a própria comunicação entre os índios, e pela falha de eficiência de Montezuma, muitos chefes começam a mudar de lado, fator determinante para a vitória espanhola. Outra forte característica dos índios é a total incapacidade em mentir e dissuadir, por isto eram facilmente iludidos pelas inverdades e dissimulações espanholas, detalhe que em um cenário de guerra, muitas vezes vale mais que uma arma. O papel da mulher na sociedade asteca é bem definida, é ela a geradora da vida, portanto, incapaz de tornar-se uma guerreira de função contrária aquela destinada a mulher. A função do guerreiro é a de maior prestígio na sociedade e embora os especialistas da palavra gozassem de grande prestígio, mão atingiam o mesmo status social do guerreiro, tanto assim que o rei deveria combinar estes dois lados, guerreiro e especialista da palavra. A pior das ofensas que se poderia fazer a um homem era chamá-lo de mulher, prova disto é a fala de Cuauhtemoc ao ouvir a fala de Montezuma, que já feito prisioneiro pelos espanhóis, dirige-se ao povo, e mal termina seu discurso, para que Cuauhtemoc diga em voz alta: “que diz esse covarde do Montezuma, essa mulher dos espanhóis, porque é esse o nome que podemos dar a ele, já que se entregou a eles como uma mulher, por medo, deixando-nos com os pés e mãos atados, atraiu sobre nós todos os males.’(tovar, PP.81-2). O que os guerreiros Astecas não previam é que ao menos em sentido figurado, as mulheres ganharam a guerra. Os Astecas não estão acostumados com uma guerra total, feita pelos espanhóis contra eles, uma novidade em sua tradição, para eles a guerra deve acabar num tratado estabelecendo o montante dos tributos pagos pelo perdedor ao vencedor. Neste trecho podemos ver claramente de que forma a guerra era encarada pelos Astecas: “pelo menos no início, os Astecas conduzem uma guerra que está submetida à ritualização e ao cerimonial: o tempo, o lugar, o modo, são previamente decididos, o que é mais harmonioso, porém menos eficaz. Era costume geral em todas as cidades e todas as províncias deixar, nos limites extremos de cada uma, uma larga faixa de terra deserta, inculta, para as guerras.” (Motolinia III, 18). O combate tem hora certa para começar e para acabar. O objetivo do combate não é tanto matar, mas fazer prisioneiros (o que favorece claramente os espanhóis). A batalha começa com um envio de flechas, “se as flechas não ferissem ninguém, e o sangue não corresse, retiravam-se como podiam, pois viam nisso um presságio seguro de que a batalha acabaria mal para eles.” (Motolinia III, “carta de introdução”). Portanto, a análise deste trecho deixa claro que mesmo antes de “ganhar a partida”, os espanhóis já haviam obtido uma vitória decisiva: a que consiste em impor seu próprio tipo de guerra; a superioridade deles já não pode ser mais posta em dúvida.



Os presságios anunciam maus tempos


Em todos os cantos do México maus presságios anunciam os problemas que estavam por vir, quatro anos antes da chegada dos espanhóis, templos queimavam, suas paredes desmoronavam sem que houvesse um motivo justificável, relata-se a passagem de dois cometas. Sacerdotes previam a chegada de homens estranhos, trazendo estranhos animais, sonhos revelavam a destruição da morada dos deuses, fato que efetivamente ocorreu. Esta frase demonstra o quanto sombrias eram as previsões: “não haverá mais templo, nem lares, nenhuma fumaça se erguerá, tudo virará um deserto, pois homens novos chegam a terra.” (Motolinia III, 19). Como o passado domina o presente, o acontecimento novo deve ser projetado no passado, sob a forma de presságio, assim, não se podia contradizer o que já era determinado. Se um acontecimento não havia sido previsto, simplesmente, não se poderia admitir sua existência, assim dava-se muito mais importância aos relatos antigos que aos acontecimentos que se apresentavam. Tal era a necessidade desta ligação que se um novo fato não houvesse sido previsto, “fabricava-se” esta ligação através de presságios. Outra grande dificuldade de oposição aos espanhóis está no fato de serem considerados deuses, dificultando a solução no plano humano. O comportamento dos espanhóis sempre foi incompreensível para os índios. O comportamento indígena era de perplexidade diante dos invasores, presentes dados aos índios eram simplesmente destruídos ou ignorados, esta perplexidade era tanta que em muitas situações os espanhóis não se davam sequer ao trabalho de fazer a guerra: preferiam ao chegar, convocar os dirigentes locais e realizar vários disparos de canhão para o ar: os índios calam de pavor, bastando, portanto, em muitos casos o simples uso simbólico das armas. Neste encontro conflituoso entre espanhóis e ameríndios, quem leva a melhor são os espanhóis, muito mais afeitos a comunicação entre os homens, entretanto, não há só um tipo de comunicação; existe também a necessidade da comunicação do humano com o mundo, mas em um momento de conflito existe grande necessidade de improvisação, e isto era um fato impossível de ser entendido pelos índios, que confiam seus destinos aos presságios, onde aquilo que não tivesse previsto, não poderia ocorrer. A vitória dos espanhóis, portanto, é facilmente compreendida. Neste confronto entre Europa e América, apesar de aparência de superioridade de um dos lados, traduzidos por sua temporal vitória, podemos dizer que não há vencedores nem vencidos, a vitória traz em si o início da derrota, não apenas de um dos lados, mas de ambos.
Celso de Almeida.
*Foto: Montezuma e Cortez

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Meio Ambiente




Causa dos Impactos Ambientais e as Conseqüências dos desastres naturais


Erroneamente, os seres humanos sempre consideram a Terra uma fonte inesgotável de recursos e dotada de uma infinita capacidade de diluição de recursos. Com seu incrível crescimento populacional, eles tomaram para si muitos recursos destinados também a outros seres vivos, como água, alimento e espaço. Assim foram eliminando as espécies que competiam com eles, com suas lavouras e suas criações.
Sempre que o ser humano esgotou os recursos de um ambiente, procurou um novo lugar. Com o tempo entretanto, nosso planeta está mostrando o que realmente é: uma porção limitada do universo, com um sistema de vida extremamente frágil. A Terra é como uma nave, que nos conduz em permanente viagem pelo espaço. Nós, os “passageiros da Terra”, enfrentando dois grandes problemas: aumentando a nossa poluição a um ritmo de quase dez milhões por mês e temos de sobreviver unicamente com as “provisões de bordo”, sem possibilidade de parada para reabastecimento. A raça humana parecia se conscientizar do grave perigo que corremos com a degradação do planeta, precisamos tomar conhecimento do que podemos fazer a respeito para que a espécie humana e o planta sobrevivam, o que podemos fazer para mudar o quadro de rápida redução da diversidade biológica. O caminho para a solução dos problemas é a tomada de conhecimento do que estamos fazendo contra o planeta.

Impactos ambientais e suas causas

Desde que os mais distantes antepassados do homem surgiram na Terra, eles vêm transformando a natureza. Durante muitos séculos, o homem foi bastante submisso a natureza. Enquanto ele era caçador e coletor, sua ação sobre o meio ambiente restringia-se a interferência em algumas cadeias alimentares, ao caçar certos animais e colher certos vegetais para seu consumo. A utilização do fogo foi, talvez, a primeira grande descoberta realizada pelo homem, permitindo que ele se aquecesse nos dias mais frios e cozinhasse seus alimentos. Ainda assim, o impacto sobre o meio ambiente era muito reduzido. Com o passar do tempo, alguns grupos humanos descobriram como cultivar alimento e como criar animais. Com a revolução agrícola, há aproximadamente 10.000 a.C, o impacto sobre a natureza começou a aumentar gradativamente, devido a derrubada das florestas em alguns lugares para permitir a pratica da agricultura e pecuária. Além disso, a derrubada de matas proporcionava madeira para a construção de abrigos mais confortáveis e para a obtenção de lenha. A partir de então, alguns impactos sobre o meio ambiente já começaram a se fazer notar: alterações em algumas cadeias alimentares, como resultado da extinção de espécies animais e vegetais; erosão do solo, como resultado de pratica agrícolas impróprias; poluição do ar, em alguns lugares, ela queima das florestas e da lenha; poluição do solo e da água, em pontos localizados, por excesso de matéria orgânica.
É importante perceber que, paralelamente a espantosa aceleração do crescimento demográfica, ocorreu avanços técnicos inimagináveis para o homem antigo, que aumentaram cada vez mais capacidade de transformação da natureza. Os ecossistemas têm incrível capacidade de regeneração e recuperação contra eventuais impactos esporádicos, descontínuos ou localizados, muitos dos quais provocados pela própria natureza, mas a agressão causada pelo homem e contínua, não dando chance nem tempo para a regeneração do meio ambiente. O homem também é parte integrante do meio em que vive. Ele também é componente da frágil cadeia que sustenta a vida no planeta, e não o senhor absoluto da natureza, e, embora não lhe seja mais submisso, continua precisando dela para a sua sobrevivência e para a sobrevivência de milhares de espécies dos diversos ecossistemas. Daí a necessidade premente de se rediscutir o modelo de desenvolvimento, o padrão de consumo, desigual distribuição de riqueza e o padrão tecnológico existentes no mundo atual.

Principais impactos

Impacto ambiental deve ser entendido como um desequilíbrio provocado por um choque, resultante da ação do homem sobre o meio ambiente. No entanto, pode ser resultados de acidentes naturais: a explosão de vulcão pode provocar poluição atmosférica. Mas devemos dar cada vez mais atenção aos impactos causados pela ação do homem. Quando dizemos que o homem causa desequilíbrios, obviamente estamos falando do sistema produtivo construído pela humanidade ao longo de sua historia. Estamos falando do particularmente do capitalismo, mas também do quase finado socialismo.
Um impacto ocorrido em escala local, posa ter também conseqüências em escala global. Por exemplo, a devastação de florestas tropicais por queimadas para a introdução de pastagens pode provocar desequilíbrios nesse ecossistema natural. Mas a emissão de gás carbônico como resultado da combustão das árvores vai colaborar para o aumento da concentração desse gás na atmosfera, agravando o “efeito estufa”. Assim, os impactos localizados, ao se somarem, acabam tendo um efeito também em escala global.

As florestas tropicais

Um dos principais impactos ambientais que ocorrem em um ecossistema natural é a devastação das florestas, notadamente das florestas tropicais, as mais ricas em biodiversidades. Essa devastação ocorre basicamente por fatores econômicos, tanto na Amazônia quanto nas florestas africanas e nas do Sul e Sudeste Asiático. O desmatamento ocorre principalmente como conseqüência da:
- Extração da madeira para fins comerciais;
- Instalação de projetos agropecuários;
- Implantação de projetos de mineração;
- Construção de usinas hidrelétricas;
- Propagação do fogo resultante de incêndios;

A exploração madeireira é feita clandestinamente ou, muitas vezes, com a conivência de governantes inescrupulosos e insensíveis aos graves problemas ecológicos decorrentes dela. Não levam em conta os interesses das comunidades que habitam os lugares onde são instalados, nem os interesses da nação que os abriga porque, com raras exceções, esses projetos são comandados por grandes grupos transnacionais, interessados apenas em auferir altos lucros. Os incêndios ou queimadas de florestas, que consomem uma quantidade incalculável de biomassa todos os anos, são provocados para o desenvolvimento de atividades agropecuárias. Podem também ser resultado de uma prática criminosa difícil de cobrir ou ainda de acidentes, inclusive naturais.
A primeira conseqüência do desmatamento é a destruição da biodiversidade, como resultado da diminuição ou, muitas vezes, da extinção de espécies vegetais e animais. Muitas espécies que podem ser a chave para a cura de doenças, usadas na alimentação ou como novas matérias-primas, são totalmente desconhecidas do homem urbano-industrial e correm o risco de serem destruído antes mesmo de conhecidas e estudado. Esse patrimônio genético é bastante conhecido pelas várias nações indígenas que habitam as florestas tropicais, notadamente a Amazônia. Mas essas comunidades nativas também estão sofrendo um processo de genocídio e suicídio étnico que tem levado a perda de seu patrimônio cultural, dificultando, portanto, o acesso aos seus conhecimentos.
Um efeito muito sério, do desmatamento é o agravamento dos processos erosivos. Em uma floresta, as árvores servem de anteparo para as gotas de chuva, que escorrem pelos seus troncos, infiltrando-se no subsolo. Além de diminuir a velocidade de escoamento superficial, as árvores evitam o impacto direto da chuva com o solo e suas raízes ajudam a retê-lo, evitando a sua desagregação. A retirada da cobertura vegetal expõe o solo ao impacto das chuvas. As conseqüências dessa interferência humana são várias.

Conseqüências:
- Aumento do processo erosivo, o que leva a um empobrecimento dos solos, como resultado da retirada de sua camada superficial, e, muitas vezes, acaba inviabilizando a agricultura;
- Assoreamento de rios e lagos, como resultado da elevação da sedimentação, que provoca desequilíbrios nesses ecossistemas aquáticos, além de causar enchentes e, muitas vezes, trazer dificuldades para a navegação;
- A elevação das temperaturas locais e regionais, como conseqüência da maior irradiação e calor para atmosfera a partir do solo exposto. Boa parte da energia solar é absorvida pela floresta para o processo de fotossíntese e evapotranspiração, Sem a floresta, quase toda essa energia é devolvida para a atmosfera em forma de calor, elevando as temperaturas médias.
- Agravamento dos processos de desertificação
- Proliferação de pragas e doenças, como resultado de desequilíbrio nas cadeias alimentares. Algumas espécies, geralmente insetos, antes sem nenhuma nocividade, passam a proliferar exponencialmente com a eliminação de seus predadores, causando graves prejuízos, principalmente para agricultura.

Além desses impactos locais e regionais da devastação das florestas, há também a queima das florestas que tem colaborado para aumentar a concentração de gás carbônico na atmosfera. É importante lembrar que esse gás é um dos principais responsáveis pelo efeito estufa.

Desastres naturais

Hoje, há mais desabrigados no mundo em conseqüência de desastres naturais do que de conflitos. Na década de 90, as catástrofes naturais como furacões, inundações e incêndios afetaram mais de dois bilhões de pessoas, causando prejuízos superiores a US$ 608 bilhões, em todo o mundo – uma perda maior do que nas quatro décadas anteriores, combinadas. Porém, cada vez mais, a devastação provocada por estes desastres naturais é de origem “desnatural,” devido a práticas ecologicamente destrutivas e a um número cada vez maior de pessoas residindo no caminho do perigo, como por exemplo.
Contribuindo também para o custo crescente dos desastres, está a gigantesca expansão da população mundial e da urbanização, colocando no caminho do perigo mais e mais pessoas e um maior número de atividades econômicas. Uma em cada três pessoas – cerca de 2 bilhões – vive hoje a 100 quilômetros de um litoral. Treze das 19 mega-cidades mundiais (com mais de 10 milhões de habitantes) se localizam em áreas costeiras. Os efeitos projetados do aquecimento global, como eventos climáticos mais extremos e a elevação do nível do mar, simplesmente multiplicarão as perdas potenciais.
Embora “desastres desnaturais” ocorram por todos os lados, seu impacto recai desproporcionalmente sobre as populações pobres, que vivem em áreas vulneráveis e dispõem de poucos recursos para se precaverem ou se recuperarem das calamidades. Entre 1985 e 1999, 96% das fatalidades causadas por desastres registrou-se em países em desenvolvimento.
Durante a década passada, os desastres geofísicos e os relacionados às condições meteorológicas aumentaram em mais de 60% e isso reflete tendências a longo prazo. Com certeza, se as populações em áreas de alto risco continuarem a aumentar e as florestas continuarem a diminuir, há pouco motivo para otimismo. Além disso, muitos países industrializados continuam a lançar cada vez mais gases de efeito estufa na atmosfera. De acordo com um editorial na revista “Science”, adiar a redução dessas emissões “é como recusar tomar remédio para uma infecção em fase de desenvolvimento: isso com certeza vai sair mais caro no futuro”. Referindo-se a esses custos, um relatório canadense sobre diminuição de desastres disse: “A mudança climática pode ser considerada a questão ambiental mais profunda e abrangente com a qual a comunidade internacional já lidou.”

Principais desastres naturais e conseqüências:

· Inundações
As inundações são provocadas pelos rios e mar e são mais sentidas no curso inferior dos rios e litoral costa baixa.
Conseqüências:
· Deslizamentos de terras que podem provocam destruição e mortes.
· Prejuízos materiais e humanos

· Secas
As secas correspondem a períodos com valores de precipitação muito baixos ou inexistentes em relação à normalidade. Podem durar vários anos ou um ano.
Conseqüências:
*Degradação dos solos* Desmatamento* Desertificação* Fome – mortalidade

· Trocas de calor
Variação de temperaturas.
Conseqüências:
* Destruição de culturas
* Incêndios (Aumento do calor) e avalanches (queda brusca da temperatura)
* Mortalidade

· Tempestades tropicais
Tem origem no mar e normalmente dão origem a furacões (enormes sistemas de baixas pressões em que o ar ascende violentamente e em espiral) e quando chegam a terra arrasam extensas áreas e causam graves inundações

· Sismos
São movimentos bruscos, mais ou menos intensos, da crosta terrestre. Podem ter origem no mar (Maremotos) ou em terra (Terremotos), são mais freqüentes nas regiões de contato de placas.
O homem tem interferido nos vários ecossistemas naturais, e com essa interferência tem prejudicado a ele mesmo, quando não é feita de maneira correta. Independente das alterações no ambientes serem grandes ou pequenas todas elas, a longo ou médio prazo trazem conseqüências incalculáveis.

Não somos os seres mais importantes no cenário da vida na Terra, mas os únicos pensantes. É importante que as pessoas percebam que têm a responsabilidade de zelar pelo ambiente.
Estamos pagando um preço muito alto por toda essa comodidade, industrialização e desenvolvimento, pois a verdadeira causa de todos os impactos ambientais são as ações dos próprios homens, que infelizmente ficaram “cegos” frente a todo esse caos global e não percebem que eles mesmos estão “pagando à vista”, através do aumento dos desastres naturais.


Celso de Almeida

O Socialismo Soviético




As Origens

No texto, “O socialismo soviético”, é evidenciada a construção do socialismo na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas durante a década de 1930, com transformações econômicas, sociais, políticas e culturais. Apesar de consolidado na década de 30 o socialismo é um processo que tem suas raízes nos anos de 1918 a 1920 quando a URSS passava por uma guerra civil e para suprir o abastecimento de suas cidades e soldados, o governo bolchevista requisita alimentos produzidos pelos camponeses, política essa que fica conhecida mais tarde como “comunismo de guerra”. A revolução finda com o triunfo do governo revolucionário, que tinha agora a dura missão de dar dirigibilidade ao país, no entanto a situação na era caótica, o país se encontrava desmantelado, desconexo e faminto; transportes desordenados, desabastecimento, desemprego e inflação descontrolada do rublo e rebeliões camponesas. A União Soviética era agora um país arcaico, isolado do mundo, enfrentava rebeliões de camponeses, que se sentiam traídos pelo governo; os operários industriais, base social do regime, encontravam-se desfalcados de seus membros mais idealistas, mortos durante a guerra. O governo lutava para convencer o povo a suportar tamanho sacrifício e apesar da degradação tentava convencer a população de que a nação soviética era uma civilização superior. Diante desse quadro caótico pelo qual passava a União Soviética, Lênin propõe em 1921 a NEP (Nova política econômica), que visava superar a crise implantada pelo comunismo de guerra. A nova política econômica é aceita com descontentamento pelo partido comunista da união soviética.

A Construção do socialismo

Após a morte de Lênin surgiram duas propostas dentro do PCUS, uma seria a aliança entre funcionários e camponeses, que necessitariam ser convencidos, do benefício da coletivização da terra; o enriquecimento da população rural alavancaria o crescimento industrial que assumiria ritmo ascendente para atender a demanda de camponeses por bens de consumo. Por esse projeto o socialismo seria construído lentamente. A segunda proposta visava investir na indústria pesada que fosse custeada pelo campo com cobrança de tributos aos camponeses, “Acumulação socialista primitiva, à custa dos camponeses” (pág.84). Na guerra das palavras os membros do PCUS são convencidos de que a segunda proposta é aquela que deve ser colocada em prática, afinal o sacrifício estaria a cargo dos camponeses, classe tida como reacionária e pouco confiável cujo enriquecimento não poderia ser aceito, nem sequer supor um crescimento lento rumo ao socialismo. A idéia era mudar o mundo e isso exige rapidez e agilidade. A política agrícola implantada vai gerar uma crise originada pela insatisfação por parte dos camponeses que se recusavam a vender seus produtos pela taxa fixada pelo governo achando que os valores cobrados deveriam ser maiores; o que vai provocar um racionamento de alimentos em 1928. Essa crise vai gerar uma reforma política econômica defendida por um habilidoso político chamado Joseph Vissarionovich Djugachvili, conhecido como, Stalin, que percebendo o desejo dos militantes bolchevistas apóia o socialismo convencendo a maioria dos membros do partido comunista da possibilidade de uma vitória do socialismo na URSS independente da ocorrência ou não, de levantes operários no restante da Europa. Com a derrota de seus adversários políticos e o apoio do comitê central do PCUS são iniciadas em abril de 1929 com a aprovação do plano qüinqüenal a coletivização do campo e a industrialização acelerada na URSS liderados por Stalin. Tem início em Janeiro de 1930 a primeira etapa da segunda revolução russa com a coletivização do campo. Stalin não se importava com os custos humanos e naturais que seriam necessários para a industrialização do país, para ele a reação de desespero dos camponeses para conservar suas terras foi motivo para mobilizar milhares de agentes para liquidar os Kulaks, camponeses que tinham no máximo 10 hectares de terra, uns poucos animais e mão-de-obra familiar acrescida de um ou dois trabalhadores assalariados cujo total não ultrapassava 10 pessoas, para Stalin os Kulaks eram uma classe exploradora, “último bastião do capitalismo”. (pág85)
Operários e militantes do PCUS, jovens do Komsomol, a juventude comunista, e a GPU, Polícia política, podiam ser encontrados facilmente no campo para mostrar como a coletivização era espontânea. Os camponeses por sua vez, viam-se cercados por tropas armadas e sem ter melhor escolha se rendiam a coletivização, porém antes de entregar a terra ao governo a arruinavam o máximo que podiam destruindo as ferramentas e matando os animais. Os que se rejeitavam seguir a coletivização eram mortos ou banidos para regiões distantes. Não tendo outra escolha, os camponeses se viram obrigados a aderir as Kolkhozes, fazendas coletivas, descobrindo assim um novo tipo de escravidão, a estatal, onde os mesmos tinham todos os seus bens passados para a fazenda que tinha uma direção indicada pelo partido comunista, e estes sendo obrigados a vender seus produtos ao governo por preços baixos. Caso a meta de produção fixada não fosse atingida os membros da fazenda tornavam-se suspeitos de sabotagem. Segundo Daniel Aarão Reis Filho, a coletivação foi “um furacão de morte e de destruição. Uma orgia de sangue e de sofrimento”. (pág. 86)
Contrário ao setor agrícola estava à industrialização acelerada que transformou um país arcaico e agrário em um país moderno e industrializado. O crescimento econômico soviético colocou a URSS no final dos anos 30 entre as grandes potências mundiais da época com uma economia industrial capaz de produzir aço, máquinas, turbinas, petróleo, tratores, tanques de guerra e aviões a partir de seus próprios recursos. A economia soviética cresceu mais do que todos os outros países, com exceção do Japão. A industrialização trouxe várias vantagens como a melhora na qualidade de vida da população, a abertura de milhões de vagas de empregos, a melhora na saúde e na educação e os novos valores sociais implantados pelo estado que asseguravam cada vez mais o fascínio popular e político de Stalin. Milhões de soviéticos morreram para financiar as obras que eram necessárias para a industrialização, o governo chegou ao ponto de vender trigo para o ocidente mesmo com a população faminta e importar equipamentos e técnicos especializados, falta de bens de consumo, eram consideradas como inevitáveis pelos soviéticos, as perseguições políticas tinham por objetivo somente aniquilar os inimigos do povo e do próprio socialismo; o sistema de GULAG (Administração estatal dos campos), verdadeiros campos de concentração tinham explicações convincentes como explicava Stalin: a abolição das classes exigia a intensificação da luta entre as próprias classes.

O Culto a Figura de Stalin

Na comemoração de seu qüinquagésimo aniversário o líder soviético recebe a primeira manifestação pública para homenagear sua personalidade, Stalin deixaria de ser chamado de Khaziän (patrão, dono) para ser chamado de Vojd (Guia) da nação. Começa então a pronunciar-se uma locução clássica: “Stalin é o Lênin de hoje”; é um líder vivo e que compreende perfeitamente as necessidades do povo e do partido, apresentadas pelo próprio Lenin, considerado um líder genial. O Pravda (Jornal do PCUS) começou a homenagear o líder soviético diariamente. Stalin começa a receber epítetos como “Gênio”, “Corifeu das artes e ciências”, “Melhor amigo das crianças”, “Pai dos povos”, “Guia do proletariado mundial” e muitos outros (pág.91). Em seu Septuagésimo aniversário o número de cartas que chegaram ao Pravda foi tão grande que anos mais tarde ainda poder-se-iam lê-las em uma coluna criada no jornal especialmente para o evento. De cada fábrica, mina de carvão, Kolkhoz, sindicato, escola, ou célula partidária chegava uma lembrança para Stalin, segundo Deutscher o museu da revolução, em Moscou, tornou-se um local de exposição dos presentes enviados ao líder. Apesar de ser venerado pelo povo, Stalin não era muito carismático, vivia trancado no Kremlin e dificilmente aparecia em público; quando aparecia tinha breve contato com os soviéticos ficando à distância, não tinha eloqüência em sua fala que era e monótona, por isto sua voz era substituída pela voz de um locutor de voz rica e profunda que durante a segunda guerra lia as ordens do dia e falava pelo líder soviético, apesar de diferente de todos os outros líderes políticos as idéias de Stalin entusiasmavam os ouvintes pela clareza e perfeição com que eram formuladas.
Todas as lojas tinham uma decoração com seu retrato às vezes até mesmo no lugar de mercadorias em falta, encontrava-se em qualquer espaço público uma representação de Stalin, nas praças centrais e nos picos das montanhas existia uma gigantesca estátua homenageando o líder soviético, livros de receita culinária tinham palavras do líder sobre a necessidade de se alimentar bem como introdução, nos jardins de infância e zoológicos, bandeiras afirmavam: “Obrigado Stalin por nossa infância feliz”. Porém as mudanças obtidas pela sociedade nos anos 30 podem ser consideradas as grandes responsáveis pela admiração que se tinha pelo líder. A veloz industrialização do campo transformou em pouco tempo um país arcaico em um país industrializado, agora era possível ter acesso ao trabalho, alimentação, vestuário, assistência médica, habitação subsidiada e de certa forma igualdade entre os soviéticos; a educação e a saúde tiveram um índice de crescimento surpreendente, assim como a expansão econômica permitiu variadas ascensões sociais, técnicos e engenheiros locais foram formados e beneficiados com cargos na indústria e na burocracia estatal; pode-se dizer que a ascensão social formou grupos privilegiados no regime. Como em uma receita, mistura-se a propaganda política maciça e intensa por parte do governo e os resultados obtidos pela industrialização e conseguiremos entender os carismas consagrados ao líder soviético e o porquê de tamanho sucesso e admiração, era a forma que os soviéticos beneficiados com a industrialização e a melhoria de vida que a mesma trouxe tinham de agradecer.

O Terror Stalinista

Stalin além de criador foi também um produto do modelo soviético, a fragilidade do líder e um partido político organizado nos modelos leninistas e a ajuda da própria sociedade para eliminar possíveis “sabotadores”, “espiões”, e “traidores” fizeram com que a URSS passasse nos anos de 1936 a 1938 o período conhecido como grande terror stalinista, A morte de Kirov, suposto aspirante ao cargo de líder da URSS no ano de 1934 dá margem a Stalin e seus comandados de aplicar um golpe de estado. Para o líder soviético, haveriam inimigos dentro do partido. Essa foi a oportunidade ideal para Stalin garantir e impor definitivamente seu poder. Tem início uma era de expurgos políticos dentro do PCUS e uma grande repressão política de massa, a imprensa noticiava o processo contra grandes líderes soviéticos e do próprio partido. Surpresos os soviéticos e todo o movimento comunista viram chefes históricos do partido e do estado serem condenados por conspiração, assassinatos e ações terroristas, todos confessaram seus “crimes”, confissões essas que eram verdadeiros espetáculos teatrais alcançados através da tortura ou chantagem com a prisão de seus familiares, teatralização ensaiada diversas vezes perante a polícia antes de serem apresentadas ao público, aqueles que não “professavam seus crimes” eram eliminados sem a teatralização dos tribunais. Aqueles que por algum motivo tinham suas vidas poupadas eram enviados aos campos de concentração. Comícios eram feitos em quase todas as cidades reunindo milhões de pessoas em protesto contra os “traidores”. Cartas secretas eram entregues a militantes do PCUS com denúncia de crimes no interior do partido, reforçando assim a necessidade de vigilância revolucionária.
Os soviéticos não foram enganados pela propaganda oficial, “os russos sabiam bastante bem quanto sofrimento lhes coubera, e ainda cabia sob o jugo de Stalin”(pág 95). O grande terror foi o auge de um processo iniciado em 1918 com a guerra civil; no início, os bolchevistas perseguiram os adeptos do antigo regime; depois a perseguição foi aos “contra-revolucionários”, em seguida os partidos políticos opositores. Para culminar o terror iniciou um processo de perseguição a qualquer um suspeito de atividades “anti-soviéticas”. Diga-se que o terror político não foi obra exclusiva de Stalin, ele teve apoio de grande parte da sociedade soviética. Em 1939 a maioria do comitê central do PCUS eleita em 1934 havia caído junto com a maior parte dos secretários provinciais e locais do partido, assim como seus colaboradores e familiares próximos; todos fuzilados ou enviados a campos de concentração. Denuncia de complôs, sabotagem, espionagem e crimes aterrorizavam o país durante o grande terror.
O terror tinha o objetivo de voltar-se exclusivamente contra aqueles que eram contrários ao governo ou críticos a Stalin, não importando se eram camponeses, operários, elite, intelectuais, oficiais do exército ou até mesmo membros do PCUS, nesse caso aqueles que apoiaram o líder da “segunda revolução russa” e a ele juraram lealdade e fidelidade. O regime de terror visava á consolidação do poder de Stalin e do regime Stalinista, como a única alternativa política possível.ou seja, qualquer um que fosse suspeito de atividades “anti-soviéticas” era preso. A sociedade agia como cúmplice da polícia política acusando e desprezando colegas e familiares. Stalin dizia ter 500 mil novos cargos para distribuir, a cada ano, cargos esses que passaram a ser ocupados pelos técnicos e engenheiros formados graças à industrialização no país e que apoiavam as perseguições e a liderança de Stalin; assim o líder soviético se mantinha no poder na medida em que o grande terror avançava.
Em cinco de março de 1953 morre Stalin, sua morte levou milhões de soviéticos à praça vermelha, no dia oito de março o número de pessoas na praça vermelha para ver o corpo do líder soviético era tão grande que não foi possível controlar a multidão, desencadeando numa tragédia onde milhões de pessoas foram esmagadas contra as barreiras montadas pela KGB, muitas morreram pisoteadas no meio da aglomeração.
O terror atingiu a todos os grupos sociais, não existia posição social ou política que garantisse que o individuo não seria alcançado pela avalanche do terror, incitado e apoiado pelo sentimento de satisfação? Simples, a queda de dirigentes partidários, industriais e arbitrários, tornava-se um momento de júbilo popular. Detestados, estes “pequenos tiranos”, ao caírem em desgraça apenas estavam sofrendo um justo ato de justiça e de vingança.

O Modelo Soviético

O povo soviético conheceu ao longo da década de 1930 a segunda revolução russa. Uma revolução feita “pelo alto” a partir dela foram realizadas transformações econômicas, sociais, políticas e ideológicas, estas mudanças deram origem ao modelo soviético do socialismo. No campo econômico ocorreu a planificação e a centralização das atividades produtivas, a nacionalização de todas as empresas do país com o surgimento da ideologia da “estabilidade”, que garantiria a implantação do socialismo. No plano político as mudanças foram do partido único ate o Partido – Estado, com a monopolização dos postos da administração estatal. No plano social, a subjugação dos camponeses e um intenso processo de mobilidade social. No campo ideológico, o modelo do “marxismo-leninismo” imposta como única forma de pensar, crer, agir e se comportar, institui-se o “culto secular do estado”, com um processo de “santificação” do território soviético e culto a personalidade do líder, a qual todos deveriam reverenciar. A polícia política e os campos de concentração completaram as instituições do socialismo soviético.

A caminho do fim

Não há dúvidas de que o modelo de socialismo soviético está intimamente ligado ao nome de Stalin, não se pode reduzir a construção do socialismo somente a interjeição da propaganda oficial ou ao terror totalitário, pois ambos não bastam para explicar o apoio e a admiração de milhares de pessoas de várias partes do mundo, inclusive dentro da União Soviética, ao líder soviético, não haveria possibilidade de um contato total de uma sociedade se não houvesse permissão e acordo com boa parte desta sociedade. A União Soviética foi talvez a maior das utopias que a história já registrou, Stalin por suas ações para manutenção e perpetuação no poder cometeu um infinito número de crimes. Segundo Milovan Djtilas, “a história não conhece déspota mais brutal e cínico do que ele. Como criminoso, foi metódico e cruel. Foi um desses raros e terríveis dogmatistas capazes de destruir nove décimos da raça humana para fazer feliz o décimo restante. (pag. 106).
Mesmo diante da consolidação democrática no mundo os pobres continuam a conviver com terríveis injustiças, da parte de políticos, corruptos que mesmo formalmente democratas, continuam a governar a favor das classes dominantes.

Celso de Almeida.

*Foto: Stalin

Baixa Mesopotâmia e Egito no milênio inicial da vida civilizada



O longo caminho em direção a urbanização na Ásia ocidental

Por volta de 7000 a.c à região do oriente próximo asiático já conhecia aldeias neolíticas, plenamente sedentárias. Quatro mil anos depois a Mesopotâmia estava urbanizada, com cerca de 14 cidades importantes, que subordinaram outras menores e numerosas aldeias. No velho mundo foi essa região a única a efetuar por si só o processo de urbanização, pois não dispunha de nenhum modelo para ser seguido. Foi necessário que se fossem encontradas soluções à medida que os problemas se apresentavam ao longo do período de urbanização. Dentre as dificuldades enfrentadas pelos habitantes da região podemos destacar: as cheias dos rios, a defesa do território, a disputa por recursos naturais e por áreas de comércio.
Apesar do efeito fertilizador oriundos das cheias dos rios serem um fator benéfico à agricultura, estas inundações ocorriam em um período em que os cereais cultivados já estavam crescidos, e a violência das cheias ameaçava levá-los de roldão, junto com casas e rebanhos. A forma de enfrentar este problema foi à construção de um complexo sistema de barragens, canais de irrigação e drenagem, cuja manutenção exigiam enorme e constante esforço.

Instituições administrativas

Aponta-se para a possibilidade de que três instituições fossem encarregadas de enfrentar as dificuldades sugeridas durante o processo de urbanização da Mesopotâmia, seriam elas: “Órgãos colegiados”, derivados ainda de organizações tribais; “Os templos”, entendidos também com complexo econômicos e administrativos, além das funções religiosas e o “Palácio real”, que igualmente ao templo possuía múltiplas funções.
Cabe ressaltar que em um período anterior aos templos como complexos políticos religiosos e administrativos, as decisões mais importantes eram tomadas por dois órgãos, são eles: O conselho de anciãos e a assembléia dos homens livres dos quais existem evidências de terem se perpetuado até mesmo depois da urbanização, apesar de ter sua importância bastante reduzida. Ainda no quarto milênio os templos são um complexo econômico, político e administrativo, já o palácio real como entidade desagregada dos templos segundo alguns arqueólogos, somente surgiu no terceiro milênio.

Diferenças administrativas entre a Mesopotâmia e o Egito

Dois fatores diferenciam a baixa Mesopotâmia do início dos tempos históricos (primeiros séculos suficientemente iluminados por fontes escritas) do Egito da mesma época. A primeira diferença marcante é estar a Mesopotâmia dividida em uma dúzia de cidades-estados, bem consolidadas e ciosas de sua independência, em contraste com a emergência do Egito histórico, já a está época consolidado como um reino centralizado em que o crescimento da urbanização era controlado pelo palácio real; a segunda diferença seria a de que em cada cidade da baixa Mesopotâmia existia privilégios fiscais, legais e de jurisdição, plenamente reconhecidos aos homens livres proprietários, vistos como um corpo de cidadãos dotados de direitos bem estabelecidos, coisa completamente desconhecida no Egito, em que o Faraó, o Deus vivo, tudo pode e tudo determina.

Das Cidades-Estados aos primeiros impérios Mesopotâmicos

Em toda a baixa Mesopotâmia, em meados do terceiro milênio, encontramos cidades-estados independentes. Cada uma delas com seu setor urbano, dividido em: “cidades amuralhadas”, “cidade externa”, situada fora dos muros e que entremeava zonas residenciais, terras cultivadas e estábulos e o “porto pluvial”, onde se encontrava o comércio exterior e onde viviam mercadores estrangeiros, proibidos de instalar-se na cidade amuralhada. Este setor urbano servia de núcleo a um “território de extensão variável”, que continha cidades menores, povoados, aldeias numerosas, campos e pastagens.
Nos templos, antes da existência dos palácios, moravam o En(senhor) provavelmente eleito pela assembléia dos homens livres,o “En” era uma espécie de sumo sacerdote, a assembléia também poderia eleger, mesmo temporariamente, um monarca, isto normalmente ocorria em ocasiões de grave perigo externo para a cidade. A monarquia dos primeiros tempos históricos seria então uma monarquia eletiva. Por isso, o rei deveria consultar a assembléia antes de empreender campanhas militares. Existem sinais que dão conta das possibilidades de ter ocorrido em torno da metade do terceiro milênio uma “realeza sagrada”. Estas indicações esparsas sobre as modalidades de governantes supremos na baixa Mesopotâmia, são, por vezes difíceis de conciliar e parecem até certo ponto contraditórias. Não é, portanto, desejável que se exclua a possibilidade de que tenha ocorrido uma heterogeneidade de uma cidade para outra.

A unificação da Mesopotâmia

O comando militar, necessário a defesa do território e das rotas comerciais bem como a conquista e ao saque, foi fator essencial ao surgimento de uma monarquia permanente, hereditária e separada dos templos. As funções político, administrativas e econômicas dos templos, assim como também a influência do conselho e da assembléia, diminuíram na medida em que se consolidava o poder monárquico. A partir de meados do terceiro milênio o particularismo das cidades-estados dá a impressão de chocar-se com uma consciência étnica unitária das comunidades da Mesopotâmia, servindo de base a hegemonias cada vez mais extensas, que acabaram por desembocar em impérios efêmeros, mas crescentemente coerentes com sua organização.

O 1º e o 2º Império

O primeiro dos impérios mesopotâmicos foi criado por Sargão I. Promoveu a nomeação de governantes acadianos, em muitos casos, parentes do próprio rei, com isto pretendia diminuir a autonomia das cidades-estados. O exército foi ampliado, assim como o palácio real e a máquina burocrática. Mesmo assim, o império acadiano não durou muito tempo, em função das revoltas internas e dos ataques externos. Após a queda do 1º império houve um período de descentralização e do domínio estrangeiro, os Gútios vindos do leste, dominaram parte da Mesopotâmia.
O segundo império teve a sua frente à 3ª dinastia da cidade de UR. Foi notável por seu controle econômico. De início compreendeu a Mesopotâmia inteira e algumas regiões exteriores, no entanto, apesar das precauções, como a separação dos poderes civil e militar, nas cidades dominadas, com a aplicação de um sistema de guarnições, possibilitadas por um grande contingente do exército, um bem organizado correio real, um sistema de remuneração dos burocratas, através de rações e da doação de terras em usufruto, foi empreendido grande esforço na direção da unificação legislativa que incluía a promulgação da primeira compilação importante de precedentes judiciários ou “julgamentos típicos”. Também este 2º império sucumbiu por revoltas internas e ataques vindos do exterior.

Consolidação de uma forma de governo

Ao termino do terceiro milênio, não obstante a fragilidade dos impérios reinantes, o regime monárquico está bem consolidado e apresentava contornos institucionais nítidos. No interior do estado, o palácio real se tornara muito mais importante econômica e politicamente mais importante que o templo. No entanto, mesmo durante o apogeu imperial o poder monárquico mesopotâmico nunca se aproximou do modelo autocrático do Egito. Mesmo reis que ousaram intitular-se “Deuses” reconheciam sua dependência para com as grandes divindades. E os homens livres, mais importantes, constituíam em cada cidade um corpo de cidadãos com direitos reconhecidos. O papel legislador do rei supunha como destinatário dos códigos legais promulgados, cidadãos que tivessem existência própria, não sendo estes exclusivamente súditos do rei. Ao monarca cabia a função de promover a justiça nos territórios sob seu domínio. Prova de que a autonomia dos cidadãos era reconhecida, estava no fato de que em várias cidades as assembléias e o conselho, mesmo com poderes reduzidos, foram mantidos.

A religião, Reis e Deuses na Mesopotâmia

Uma história completa da religião mesopotâmica no terceiro milênio, sobretudo na sua metade inicial, não poderia ser escrita com precisão devido à falta de fontes sólidas de informação. Uma das explicações para tamanha complexibilidade de análise é de que na verdade não devemos falar em uma religião e sim, de religiões. Aponta-se uma religião em três níveis: A sacerdotal, praticada nos templos, centrada na imagem divina em seu santuário, a religião monárquica, que se referia as funções religiosas reservadas ao soberano e a religião dos homens comuns, que só participavam de longe ou como espectadores da maioria das grandes cerimônias religiosas oficiais.
Na concepção mesopotâmica do universo, não existe qualquer separação entre o mundo humano, o natural e o divino. Não há diferenças entre coisas animadas e inanimadas pois que tudo é criação dos Deuses. Todas as regiões de funcionamento deste universo, criado pelos Deuses, são ditadas por eles, existindo total homogeneidade de princípios e funcionamentos entre os níveis do humano e do divino.
Também a monarquia é uma criação divina, a realeza desceu dos céus não uma, mas duas vezes, a primeira humanidade irritou os deuses e foi eliminada pelo dilúvio onde somente o rei Ziusudra de Shuruppak, juntamente com sua mulher, constituindo-se na semente da nova humanidade, segundo a “lista real suméria”.
Os vínculos entre o rei e o divino eram estreitos. Muitas vezes o soberano declarava-se filho direto de uma deusa, que esta o amamentara, sem, no entanto, que isso representasse uma divinação da pessoa real. O monarca governava, julgava, agia, combatia sempre como um representante da divindade e por isso, havia a necessidade de consulta constante aos desígnios supremo dos deuses. Mesmo os reis divinizados em vida, sempre proclamavam sua submissão aos deuses sumero-acadianos, a quem jamais buscaram equiparar-se e que certamente nunca quiseram substituir.

O caminho para a unificação

Existem provas indiretas da presença de sistemas locais de poder que merecem consideração, algumas centenas de anos antes da unificação do país. São estas provas: Existência de artesões de alta qualificação produzindo grandes quantidades de objetos cerimoniais; presença de celeiros de alta capacidade; passagem do cobre martelado a frio a metalurgia, o que supunha a exploração de minas; o transporte e armazenamento de minério; construções que exigiam para sua ereção algum sistema de distribuição de rações aos trabalhadores e, portanto, algum sistema de tributos que permitisse armazenar excedentes de cereais. Nesse momento as obras necessárias ao plantio eram ainda insignificantes e realizadas de forma regional, não servindo, portanto, ao propósito de considerá-las responsáveis pelo processo de centralização do estado. Estas obras estariam ligadas a certa área regional, que mais tarde vieram a transformar-se em províncias do Egito centralizado. É possível imaginar que nestes territórios (nomos), surgissem relações urbano-rurais nascentes e o aparecimento de núcleos político-territoriais definidos, cujo conflito deve ter desembocado em confederações cada vez maiores até que, por fim, emergisse o reino unificado do Egito, duplo sim, Vale e Delta, mas com um único monarca.
Não existem indicações de escassez da terra no Egito, o que se ocorresse poderia justificar a guerra, e uma provável unificação, no entanto devemos observar que nem sempre a guerra seja realizada por questões de conquista de territórios, ou competição por recursos agrícolas, portanto, existe a possibilidade de que elas tenham ocorrido por motivos diferentes deste e que estejam relacionadas às origens do antigo Egito.

O efeito do Nilo

Diferentemente dos rios mesopotâmicos, o rio Nilo, tem o seu momento de cheia no auge do verão, quando suas águas retornam ao leito, é o momento exato em que deve ocorrer o plantio, salvo exceções, suas cheias são menos destruidoras que as cheias do Tigre e do Eufrates, contribuindo para que o sistema de irrigação, barragens e drenagens jamais tinham sido desenvolvidas ao mesmo nível das estruturas mesopotâmicas. Com bacias naturais, auto drenáveis, e independentes, praticamente garantia a impossibilidade de conflitos pela necessidade de controle da água entre as diferentes regiões.

O estado do terceiro milênio

Os egípcios dependiam menos que os mesopotâmicos do comércio exterior, para obtenção de matérias-primas, pois dispunham de minas de cobre, ouro e algum estanho, de pedra para construção e outros recursos. Grande parte destas reservas encontrava-se em territórios dominados.
A teoria político-religiosa da monarquia egípcia define o rei como centro de todas as coisas, incluindo até mesmo os países estrangeiros, destinados a serem subordinados por ele. O rei era visto como unificador, pacificador, construtor, aquele que tem direitos indiscutíveis, o único que deve ser obedecido.

As primeiras dinastias

Durante as três primeiras dinastias, aparece e consolida-se uma tradição cultural centrada no rei-deus. As instituições do governo ainda estão sendo formadas, o palácio real já é o centro da administração, a cobrança de tributos se faz sob a supervisão direta do soberano. Expedições militares externas são enviadas ao nordeste (Sinai), a oeste (Líbia) e ao sul (Núbia), para garantir as rotas comerciais e o fluxo de matérias primas e para a obtenção de mão-de-obra adicional na forma de prisioneiros de guerra.
A quarta dinastia é a dinastia dos construtores de grandes pirâmides, dura quatro séculos, é o auge do reino antigo. O aparelho do estado já está totalmente organizado, no início deste período a tendência era de entregar os altos cargos do estado aos parentes do rei, fato que foi modificado com o passar do tempo, formando-se então uma verdadeira burocracia administrativa. É sem dúvida o auge da centralização do poder do rei e da monarquia, em toda a história do Egito faraônico.
A quinta dinastia inicia com a afirmação do poder absoluto do Rei, ele fala em nome dos deuses, mas também no seu próprio, sendo igualmente divino. Regulariza-se a partir da quinta dinastia o titulo de “Filho de Ra”, até então outorgado esporadicamente. A maior complexidade do estado aumenta a necessidade de matérias primas e prisioneiros de guerra. Intensificaram-se as expedições militares sob o Reino Antigo, teve início à colonização egípcia no norte da Núbia. O contato marítimo com a Palestina e com a Somália passa a manter-se com alguma regularidade.

A religião, o rei e os Deuses

As crenças e cultos apresentavam-se ainda menos unificados e sistematizados do que na baixa mesopotâmia. Até o pré dinástico, cada aldeia possuía seu próprio Deus principal. Neste período podem ter ocorrido peregrinações a grandes centros religiosos, no entanto os deuses locais ainda eram supremos. Assim como na mesopotâmia pressupõem-se a existência de uma religião popular na grande maioria das vezes diferentes das cultuadas nos grandes templos e no palácio real. A unificação jamais colocou fim ao culto dos deuses locais: Alguns deuses dos Nomos chegaram a ser cultuados em todo o Egito. Um dos mecanismos de ascensão de importância de um deus regional era sua adoção em posição de destaque no culto monárquico. Os templos construídos em pedra, fechados a grande parte da população, considerados como a residência do deus. Desde o início do período histórico é atestado à presença de sacerdotes ligados aos templos, contudo, a hierarquia sacerdotal foi relativamente tardia: Somente na sexta dinastia os sacerdotes emergem como um grupo social diferenciado no interior do aparelho do estado.
O rei não era divino ao nascer, e sim ao ser coroado, tornando-se deus, o novo rei assumia de imediato a herança legítima dos deuses primordiais, que se acreditava, tinham reinado pessoalmente sobre o Egito num passado mítico. Assim o rei estabelecia uma linha de sucessão legítima que vai do deus primordial criador até sua própria pessoa.
Os egípcios acreditavam que o estado faraônico surgira concomitante com o ato da criação do universo, e duraria para sempre tanto quanto o próprio cosmo. Como filho do sol, o faraó é o senhor absoluto do território e dos habitantes do Egito. Como deus ele comanda a própria natureza inanimada e viva. Diante do rei, com exceção da família real, todos são plebeus, por igual, o faraó não era apenas um representante do deus, e sim o próprio deus vivo, sua presença no trono garante a cheia do Nilo, assegurando as boas colheitas e a fertilidade das mulheres e rebanhos.

Causas do declínio


São fatores apontados como causas do declínio do Egito dos faraós: excessiva importância e influência dos sacerdotes desde a quinta dinastia, recebendo doações e isenções fiscais que enfraqueceram o patrimônio estatal, a fraqueza pessoal de certos reis, o avanço do poder da hereditariedade nas funções de dirigentes das aldeias, contribuindo para o desmembramento temporário do Egito; uma grande revolta popular e a invasão de tribos asiáticas no baixo Egito.
No entanto nos dias atuais outras hipóteses são levantadas para as causas do declínio do Egito antigo. Dentre estas outras linhas podemos citar: Reforço progressivo no aparelhamento do estado e não sua deterioração ao longo da quinta e sexta dinastia. Ao final do terceiro milênio teria ocorrido um declínio drástico no nível de cheias do Nilo, multiplicando anos de fome, diminuição da população gerando assim um declínio de riquezas do estado, os valores das arrecadações despencam, diminui também a mão de obra para as principais obras públicas gerando queda na qualidade da administração, levando a grande insatisfação interna, somando-se isto aos problemas de ordem externa enfrentados, levando o grande império à queda a partir de aproximadamente 2150 a.c.


Celso de Almeida.


quinta-feira, 15 de maio de 2008

O Tráfico de Escravos



Na legislação portuguesa a escravidão parece ter sido estimulada desde a autorização de resgate dos “negros da Guiné”, feita pelo rei Afonso V em 1448, que concedia dízima do comércio de escravos ao infante D Henrique, como governador das descobertas da Guiné.
Por menos que queiramos, a escravidão faz parte da nossa história. Mesmo que se tente esconder ou esquecer, não se pode ignorar sua existência. Conhecer o tráfico de escravos no Brasil é entender um pouco a importante contribuição dos africanos na formação da cultura brasileira. Cabe ressaltar que hoje a palavra “tráfico” está intimamente ligada ao crime e a ilegalidade, no entanto, no que se refere ao tráfico de escravos africanos, não houve ilegalidade, pois que era um comércio, organizado, patrocinado, em alguns casos pelos governos, realizado por mercadores que enriqueceram com o lucrativo “comércio de almas”, também geraram grandes lucros aos governos através do pagamento de impostos. A própria igreja apoiou a escravidão, e o papado concedeu a portugueses e espanhóis o direito de; atacar e apreender pagãos e sarracenos, tomar seus bens e os reduzir a escravidão perpétua, através da bula papal “Dum diversas” de 1452. O apoio legal da escravidão estava no direito romano, que se manteve durante a idade média.


O início da escravidão na colônia

Antes da entrada dos escravos oriundos da África, o Brasil já se utilizava da mão-de-obra escrava. Foram os índios os primeiros a passar pelo processo da escravidão, e que, por um bom tempo, movimentaram a economia da colônia através de sua força de trabalho. Poucos autores dedicaram-se a escrever sobre a escravidão indígena, no entanto ela aconteceu, e foi bem maior que se imaginava. Segundo Sheila de Castro; “foi justamente do índio que se serviu o colono para instalar unidades agrícolas açucareiras, mesmo que com a interferência constante e conflituosa dos jesuítas”. Documentos indicam que o contato inicial com os índios foi amistoso, sofrendo posterior revés, quando os portugueses iniciaram um amplo processo de escravidão dos indígenas, a quem os portugueses viam como mão-de-obra para o trabalho agrícola. Os chamados “negros da terra” foram amplamente utilizados nas produções do nordeste açucareiro, e somente no século XVII a quantidade de escravos africanos superou o número de índios nas atividades agrícolas.
Depois da apreensão dos índios localizados ao longo da Costa Brasileira, os colonizadores precisaram embrenhar-se um pouco mais continente adentro a fim de proceder a capturara, depararam-se então com índios bem mais hostis. Em um pequeno trecho de uma carta enviada ao reino podemos ter a noção do pânico dos colonos em relação aos índios: “terra de criação de todas as coisas deste mundo, não há em toda a terra como esta, mas o gentio dela é demônio”.
Talvez o que tenha provocado a dúvida se ocorreu ou não uma ampla escravidão indígena, foi o fato da legislação portuguesa ter sido extremamente confusa neste aspecto, pois, teoricamente índios não poderiam ser escravizados de “maneira irrestrita”. Muito destas restrições foram resultado das lutas dos jesuítas, que achavam que a eles cabia o papel da salvação de suas almas. A coroa portuguesa ora proibia, ora liberava, com reservas a escravidão indígena.

Dificuldades para o estabelecimento do tráfico indígena

Para que exista um comércio regular existe a necessidade de que todo um ciclo comercial se feche, é necessário que exista produto, mercadores, compradores, e reposição de mercadorias de forma regular, que efetivamente nunca conseguiu se fechar no que diz respeito à escravidão indígena. Devido a imensidão do território colonial, seria perfeitamente possível que se estabelecesse um comércio de índios entre as capitanias, se tal comércio se estabelecesse, teria se amenizado o problema da fuga do cativeiro, pois que estaria se desassociando o indígena de sua região de origem, o que certamente não terminaria com a fuga, mas a abrandaria, sobre isto, o naturalista luso-brasileiro Alexandre Rodrigues Ferreira pensava que: “se os pretos não fogem para a África, donde vêm, não é por falta de vontade, mas pela falta de meios para atravessarem tantos e distantes mares”. Esta tese defenderia que os descimentos fossem realizados para distantes capitanias, no entanto, alguns fatores a fazem cair por terra; irregularidades no transporte marítimo de costeiro, era muito mais difícil a navegação a vela de norte-sul do que de leste-oeste, em termos práticos era muito mais fácil atravessar o atlântico e comprar escravos na África, que transportar índios do nordeste ao sudeste ou sul. Outro fator complicador foi a proibição a partir de 1549 do comércio entre as capitanias. A própria navegação de cabotagem proibida até então, só foi liberada em 1766, data em que o tráfico negreiro já estava fortemente estabelecido. Outro fator primordial é que os grandes mercadores que poderiam realizar este comércio, já se apresentaram como vendedores de escravos africanos, o que por si só, já fecha questão no assunto, comércio indígena. Além de tudo, o tráfico indígena esbarrava em fatores fundamentais da condição da colônia do Brasil. O grande capital mercantil estava investindo no negócio de escravos africanos, a rede fiscal da Coroa estava ligada a este tráfico de escravos, a política de exploração, em que a metrópole não dava grande importância ao acumulo de capitais na colônia, apesar do mesmo acontecer, e também ao fator resistência da igreja, que dava prioridade a evangelização dos índios.

Entrada da escravidão africana na colônia

Vários fatores respaldaram a substituição, que não foi total,[1] da mão-de-obra indígena pela Africana. Cabe ressaltar que a principal delas foi a prática mercantilista e a economia baseada na “plantation”, tipo de sistema agrícola baseado em uma monocultura de exportação mediante a utilização de latifúndios e mão-de-obra escrava, que predominava nas colonizações do período. O tráfico de escravos enquadrava-se na lógica comercial adotada, ou seja, o comércio gerava para metrópole mais lucro, devido aos encargos que lhe eram atribuídos, o que não ocorria no caso dos indígenas. Além disso, outro fator fundamental a utilização de africanos na colônia brasileira foi o conhecimento dos mesmos sobre a escravidão, pois esta já era uma prática difundida na sua cultura. O que tornava de mais fácil entendimento o “mecanismo” da escravidão, em oposição ao indígena que não era capaz de compreender os mecanismos envolvidos no processo escravista. O comércio interno de escravos acontecia naturalmente entre as sociedades africanas, o Europeu apenas aproveitou-se de uma estrutura já estabilizada.
Além disto, na escravidão indígena havia uma alta taxa de mortalidade, por vários motivos, além de que, por conhecer o território, os índios embrenhavam-se cada vez mais em direção aos sertões, dificultando cada vez mais sua captura e aprisionamento, fazendo rarear a mão-de-obra e dificultando sua reposição, tão necessária ao andamento dos projetos agrícolas, fazendo crescer a necessidade de uma solução. E o caminho apontado foi a chamada “solução africana”. Segundo Caio Prado: “O trabalho indígena seria pouco lucrativo, se considerada a baixa resistência a doenças e sua aversão ao trabalho agrícola”. Deve-se ressaltar que nas comunidades indígenas no Brasil, o trabalho na agricultura era realizado pelas mulheres. Já Celso Furtado, destaca que o índio foi a mão-de-obra essencial na montagem de toda a economia açucareira quinhentista, este destaca ainda, que a introdução da mão-de-obra escrava africana deveu-se a baixa capacidade de reposição de escravos na lavoura.
Não devemos abrir mão ou considerar equivocados os motivos expostos por estes historiadores, no entanto, é Fernando Novais na década de 1970 que talvez nos aponte o mais forte motivo para a introdução da escravidão africana, Novais destaca que a opção pelos africanos foi motivada pelo sistema mercantilista da colonização, especialmente pelos lucros advindos do tráfico atlântico que segundo Novais foi “alavanca fundamental da acumulação primitiva de capital”. O número de escravos introduzidos no Brasil foi extremamente alto, contribuindo para alicerçar uma economia baseada no trabalho escravo.

O comércio atlântico

O europeu raramente embrenhou-se em território africano para realizar a captura de escravos, esta tarefa era feita pelo próprio povo africano, pois a escravidão já fazia parte da cultura da África. Para se ter idéia clara de que a escravidão estava solidificada entre os africanos, podemos realizar uma pequena comparação; Na Europa onde o que determinava a riqueza de um homem era a posse da terra, as leis de posse de terra eram extremamente desenvolvidas e detalhadas, no que tange a África as leis mais detalhadas e desenvolvidas eram as leis que regiam a posse de escravos, pois, este era o fator determinante de poder e riqueza de um homem na África. Já que na África não existia a terra como propriedade, aquilo que determinava a riqueza de um homem era exatamente o poder que ele tinha de cultivar maior extensão, e para isto era necessário que ele detivesse a primazia sobre outro fator de produção, no caso, da mão de obra, representado pela quantidade de escravos que possuía. O comércio dos negros era realizado através de feitorias espalhadas pela costa da África, onde comerciantes africanos concentravam suas “peças”, e para onde comerciantes escravistas se dirigiam para realizar os negócios, que era basicamente feito através de troca por mercadorias, tais como: tecidos, aguardente, fumo. Não eram os compradores que determinavam de que regiões ou grupos étnicos seriam os escravos comercializados, esta oferta era determinada pelas condições internas da África. A oferta de escravos para o comércio se dava de duas formas; pelo negro já escravizado, ou pelo meio mais comum, através de guerras realizadas para captura. O tráfico atlântico não foi exclusividade dos portugueses ou espanhóis; ingleses, franceses, holandeses entre outros participaram deste lucrativo negócio.
Os primeiros negros chegaram ao Brasil em 1530, com a expedição de Martin Afonso de Souza, vindos da Guiné. Não podemos considerar isto como o início da escravidão africana no Brasil, isto só ocorreria décadas depois.

A chegada ao Brasil

Os portos que receberam maior número de escravos no Brasil foram: Salvador, Rio de Janeiro, Recife, Campos e Santos; desses portos os escravos eram transportados para os mais diversos locais do Brasil. Outras cidades também recebiam escravos vindos diretamente da África, porém, em número bem menor. A proporção de desembarque de escravos variou ao longo dos mais de 300 anos de escravidão, dependendo da principal atividade econômica exercida pela região, servida pelo porto em questão. Durante a fase de maior produção de cana de açúcar no Nordeste, os portos de Recife e Salvador recebiam o maior número de escravos, mas, durante a fase áurea da mineração e do café, coube ao Rio de Janeiro tornar-se o maior porto receptor de escravos. A venda destes escravos era feita em praça pública, através de leilões, no entanto, o comércio de negros não se limitava á venda das “peças” recém chegadas da África. Transações comerciais com escravos eram comuns, como um produto qualquer comerciável. As relações comerciais internas envolvendo escravos acentuavam-se em momentos específicos do processo escravocrata. Com o declínio da produção açucareira no nordeste muitos produtores venderam parte de seu plantel para o sudeste, principalmente para Rio de Janeiro e São Paulo, áreas emergentes na produção de café.

O fim do tráfico e as conseqüências para o Brasil

O ano de 1850 marcou o fim do trafico africano, desta vez com medidas restritivas enérgicas por parte das autoridades brasileiras, embora até 1857 tenha-se registrado a entrada de africanos no Brasil. A partir daí não resta dúvida de que o tráfico interno foi de suma importância para a sobrevida da escravidão, existem dados que dão conta de que 400 mil escravos foram negociados em 35 anos de tráfico inter e intraprovinciais. Nesta modalidade eram negociados basicamente “crioulos” e assim como no tráfico atlântico, predominância de homens adultos, sendo isto fator decisivo no fim da escravidão.
A escravidão no Brasil era sustentada pelo tráfico, não ao contrário, como se possa imaginar, prova disto é que com a crescente pressão inglesa que desejava ver aumentado seu mercado consumidor, o Brasil finalmente estabelece o fim do mercado atlântico de escravos, a partir daí inicia-se a lenta queda do sistema escravagista no Brasil. O encerramento do tráfico com a África não colocou ponto final na escravidão, mais deu inicio a seu fim. Durante algum tempo, foi realizado na colônia um comércio interno entre as diversas regiões, com o deslocamento da mão-de-obra escrava para os locais onde o emprego destes era mais necessário, estima-se que neste período foram comercializados, neste tráfico interno, cerca de 400 mil escravos. No entanto, a falta de reposição dos negros vindos da África encareceu o preço do escravo. Nossa escravidão que jamais possuiu um crescimento interno que pudesse repor as necessidades escravistas, como, aliás, ocorria nas colônias inglesas da América do Norte, sempre foi alimentada por um crescimento da mão-de-obra vinda de fora com a constante chegada dos africanos nos portos brasileiros. O aumento do comércio interno, entre regiões, muitas vezes feitos com negros já nascidos no Brasil, e com famílias já formadas, agravou o conflito e a revolta dos negros, que eram separados de suas famílias, dando origem a revoltas, fugas, formação de quilombos, atentados contra senhores e feitores e até mesmo suicídios. Além disso, o encarecimento do escravo provocou o desaparecimento do pequeno proprietário rural e contribuiu para a “deslegitimação da propriedade”.
Portanto, mesmo com a manutenção do tráfico interno, a manutenção da escravidão no Brasil tornou-se muito complicada. Os indicadores mostram que gradativamente houve uma redução da mão de obra escrava. Havia pressões dos grupos abolicionistas, as manifestações dos negros, o surgimento de uma nova possibilidade, o trabalho do imigrante, tornou a abolição de 13 de maio de 1888 inevitável. Foi apenas o ato final de um processo que já se arrastava em lenta agonia.
Celso de Almeida
*Foto: Mapa do tráfico

sábado, 5 de abril de 2008

O TRABALHISMO



Logo após tomar posse no Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, Alexandre Marcondes Filho iniciou uma de suas políticas mais significativas, o novo ministro passou a ocupar, todas às quintas-feiras, durante dez minutos os microfones do programa “Hora do Brasil”, e todas às sextas-feiras, o jornal oficial do Estado Novo – A Manhã – publicava o texto, que assim podia ser mais bem fixado pelo público. A partir de 1944 Marcondes passou a falar diariamente na Rádio Mauá, não por acaso chamada de Rádio dos Trabalhadores.
Era a primeira vez no Brasil que uma autoridade do porte de um ministro de Estado se dirigia a tão grande público, usando sistematicamente, como instrumento divulgador da mensagem, o rádio. As palestras se dirigiam a um público específico e em grande parte analfabeto, e seu conteúdo, tinha um eixo fundamental: a legislação social trabalhista do Estado Novo. O programa “Falando aos Trabalhadores Brasileiros” resume em seu título a intenção do ministro. Devido às dimensões do território brasileiro e das dificuldades de comunicação, o rádio fora o meio considerado mais conveniente para a realização desta tarefa de esclarecimento. O conteúdo das palestras abrangeria predominante o novo direito social, ainda desconhecido do povo trabalhador, seu principal beneficiário.
O impacto e a penetração política de tais palestras são difíceis de avaliar em seus resultados efetivos, no campo político da doutrinação funcionava como detonadora e articuladora de toda uma política ministerial e de governo. O ministério ao longo destes anos não cessara de receber consultas, comentários, referências e sugestões de um público que incluía trabalhadores e muitos outros setores, desta forma fica ao menos provado que a iniciativa radiofônica, ao lado de outras, contribuíra decisivamente para tornar a legislação social um patrimônio do trabalhador e de toda a comunidade nacional. O programa radiofônico só deixou de ir ao ar no momento que a situação política nacional mudou radicalmente. O conjunto de palestras de Marcondes Filho, ao longo de três anos e meio, constitui uma espécie de diário, não só da política trabalhista como do próprio momento nacional.
As palestras envolviam inúmeras questões específicas na área da legislação social mas, mesmo com uma enorme variedade de temas, eram recorrentes em certas estruturas básicas. Seu enredo, modificava-se, mas a história que contavam e o desenho de seus personagens centrais eram basicamente os mesmos. O discurso tinha um argumento central que ia sendo retomado seguidamente com o acréscimo de novas informações, que tinham como objetivo ilustrar o que se queria fixar. Os assuntos eram explorados lentamente, e podiam ser retomados após algum tempo. A propaganda devia alcançar seu público justamente na medida em que lhe demonstrava seu valor, sua capacidade e também sua proximidade com o emissor da mensagem. Marcondes inúmeras vezes não se apresentava como ministro, e sim, como “proletário intelectual”.

A criação do tempo festivo

É importante ressaltar que foi no Estado Novo que teve início uma série de comemorações oficiais que procuravam destacar certas datas, envolvendo a população em um calendário festivo, com grande destaque para as comemorações do 1º de maio. Quando da comemoração do primeiro dia do trabalhador pelo Estado Novo em 1938, o presidente anunciou o regulamento da lei do salário mínimo e assumiu o compromisso de presentear o trabalhador nesta data com uma realização na área social, neste mesmo ano em 10 de novembro, dia de aniversário do Estado Novo, na inauguração do prédio do Ministério do Trabalho, Industria e Comércio em seu discurso o presidente Vargas usou pela primeira vez o termo “Trabalhadores do Brasil”, que se transformaria em seu bordão ao encarnar seu papel de líder das massas operárias. A partir da promessa feita pelo presidente o primeiro de maio passou a ser aguardado com ansiedade pelos trabalhadores para que tivessem então conhecimento de mais uma iniciativa do governo em sua política no direito social.
Em três datas- o aniversário do presidente, o dia do trabalhador e o aniversário do Estado Novo – eram ocasiões chave para comunicação de Vargas com a massa operária, cabe destacar é que estas datas se integravam, ao mesmo tempo precederam e redimensionaram a intenção básica da política doutrinária do Ministério do Trabalho após o ano de 1942. Elas estruturaram uma aproximação significativa e personalizada entre autoridades e o público trabalhador.

O povo e o presidente

Praticamente em todas as palestras o nome de Vargas era citado de forma contundente, é profundamente significativa à participação de Marcondes Filho na construção de uma certa imagem de Vargas – do mito Vargas, cabendo lembrar que este mito foi construído em um espaço de tempo não muito longo, que coincide com os anos do Estado Novo, pois na revolução de 1930, Vargas era apenas mais um entre muitos que fizeram a revolução, não era particularmente reconhecido, condição esta que se alterou com a chefia do Governo Provisório. Foi a partir do Estado Novo que sua figura começou a ser projetada como a de um grande e indiscutível líder nacional. Sob o comando do DIP foi articulada uma das mais bem sucedidas campanhas de propagandas políticas de nosso país, tendo como personagem central o presidente Getúlio Vargas. Festividades, cartazes, fotografias, artigos, livros, concursos escolares, e toda uma enorme gama de iniciativas foi empreendida em louvor do chefe do Estado Novo, seu nome e sua imagem passaram a partir daí a encarnar o regime e todas as suas realizações.
A história trabalhista em nosso país se divide em antes e depois de 1930, depois de 1930 todas as providências tomadas envolvendo soluções nas questões sociais eram atribuídas ao próprio presidente Vargas, era dele que todas as soluções emanavam, era o inspirador e o executor de toda a política do direito social, nas mensagens dirigidas aos trabalhadores colocava-se sempre Vargas como quem criou, determinou, estabeleceu, assinou, mandou executar ou cuidar para que...Assim, nada se fazia nesta área sem o prévio e direto conhecimento e aprovação do presidente.
De todas as qualidades que caracterizavam o presidente havia uma sempre destacada e que segundo destacava Marcondes em suas falas a nação, que distinguia Vargas como estadista; sua capacidade de antever o curso da história, a clarividência, que fazia com que suas iniciativas políticas tivessem um verdadeiro caráter profético, que poderia ser constatado com o discurso de Vargas ainda como candidato em 1929, pois já neste discurso estaria embutido todo um programa de 15 anos de governo e toda a percepção política da época. A leitura que se fazia de toda obra governamental era a de uma obra antecipatória só explicável pela clarividência de Vargas, qualidade esta que repousava em dois fatores fundamentais: a inteligência superior do presidente e sua extrema sensibilidade, que o levava a uma comunicação franca e direta com o homem do povo, indo então de encontro com a sabedoria das multidões. A Vargas atribui-se sempre o equilíbrio perfeito entre a razão e a emoção, que fazia com que as leis de Vargas fossem ditadas pela sabedoria, embora nascessem do coração. O maior exemplo desta qualidade excepcional era o próprio processo de construção de nosso direito social. Marcondes Filho em suas falas, distinguia dois processos básicos para o estabelecimento do direito social no mundo: ou a melhoria das classes trabalhadoras “provém das cruentas reivindicações populares para fazer progredir o Estado, ou provém da sabedoria do Estado e da clarividência das leis, para fazer progredir o povo”. No Brasil, coube ao Estado antecipar-se e elaborar a legislação, antes mesmo que o espírito associativo dos trabalhadores organizasse o sindicato. O sindicato aqui foi conseqüência e não causa do processo que estabeleceu os direitos trabalhistas. O trabalhador obteve por outorga do poder público, sem lutas, os benefícios que tanto custaram a outros povos. No Brasil cabia ao Estado “fazer progredir o povo”, esclarecendo os trabalhadores e criando neles o espírito associativo que ainda não possuíam. Por isso estes precisam ser educados e mesmo forçados a receber os benefícios sociais. Nas palestras de Marcondes Filho os trabalhadores seriam sempre citados como dotados de ânimo, interesse e capacidade. Suas palestras tinham como pano de fundo recorrente a glorificação do homem brasileiro, da “raça brasileira” em sua força e energia, conquistando a terra bruta e primitiva ou construindo à grandeza industrial do Brasil. Em seus discursos realizava uma autêntica inversão de valores, realçava a contribuição do trabalhador nacional em nítida oposição ao estrangeiro, neste particular, destacava-se a presença do trabalhador negro, que marcava positivamente a raça brasileira e deveria ser respeitado e glorificado, sobretudo diante do nosso terrível passado escravista, o estado Novo assumia uma postura de combate aos preconceitos e sepultava os ideais de eugenia e branqueamento. Tratava-se neste momento de valorizar o trabalho manual, o ato de trabalhar com as próprias mãos, como elemento responsável pela mobilidade e ascensão social, tanto em termos econômicos, quanto políticos. Ser trabalhador era ganhar o atributo da honestidade, que neutralizava em termos de honra o estigma da pobreza. Pobre, mas trabalhador, isto é, um cidadão digno dentro do novo Estado nacional. A carteira profissional, criação dos pós-30, traduzia o tipo de relação entre cidadão e Estado que se desejava construir.
A construção da figura de Vargas, a outorga das politicas sociais e a valorização da posição ocupada pelos trabalhadores brasileiros se completavam em um enredo harmonioso que estruturava a comunicação entre o povo e o presidente. Em um discurso em 1942 Marcondes sintetizou o tipo de visão que se buscava fixar em torno do “Homem Vargas”: o grande, o maior responsável pela forma como se estabeleceu o direito social no Brasil, em outras nações o processo fora sangrento pela ausência de qualidades populares dos dirigentes, incapazes de sentir as dores e sacrifícios dos trabalhadores.
A partir de 1942 a preocupação central dos pronunciamentos era mobilizar a massa das forças trabalhistas brasileiras, entendendo-se que esta mobilização econômica era o fundamento da mobilização militar. Vargas se dirigia aos trabalhadores como “soldados da produção”, solicitando de todos o esforço máximo para o desencadeamento da “batalha da produção”. Neste contexto, é fundamental ressaltar que todo este esforço de propaganda dirigida especialmente aos trabalhadores era feito ao mesmo tempo à decretação de uma série de leis que, suspendia a vigência de diversos direitos trabalhistas. Em agosto de 1942 o governo decretou a jornada de dez horas de trabalho, sob o argumento do “estado de guerra”,suspendeu o direito a férias em todas ai industrias consideradas essenciais à segurança nacional. Em dezembro um decreto impedia a mobilidade do trabalho nas chamadas “indústrias de guerra” o que transformava literalmente seus empregados em “desertores” em casos de falta e desistência do emprego.
Os trabalhadores portanto viviam um momento político muito especial. De um lado, eram forçados a trabalhar em condições em que não tinham vigência vários direitos sociais já garantidos por lei, e de outro, eram conclamados a assumir um papel central na “batalha da produção”, desencadeada justamente pelo homem cujo maior título era ter outorgado estes direitos sociais. O programa “falando aos trabalhadores brasileiros” atuou neste exato período de tempo (1942 à 1945), o que redimensiona a importância de uma campanha doutrinária intensiva e ilumina o teor das advertências do ministro, no que concerne aos inimigos do projeto governamental. Nas palavras de Marcondes Filho dirigidas a Nação, durante doze anos Vargas tudo dera aos trabalhadores pela força da sua vontade. Agora cabia a eles retribuir o bem que lhes fora outorgado, mostrando que estavam a altura dos benefícios recebidos.

Dar...receber...retribuir – a política brasileira fora do mercado

A proposta política dos anos quarenta estruturava-se basicamente em torno da construção de uma relação entre povo e o Estado/Nação, encarnado na figura do Presidente. A história da relação povo/Presidente era fundamentalmente a história da resolução da questão social no Brasil, era a historia de um Presidente que legislou sobre o problema síntese da nacionalidade, o problema social. Importante ressaltar a forma como essa questão foi resolvida, o que acabava por determinar a forma pela qual esta relação povo/Presidente se efetuava. O ponto primordial desta construção convencionou-se chamar de “ideologia da outorga”, ou seja, a legislação social brasileira, instrumento mediador por excelência das relações entre governantes e governados, foi outorgada pela personalidade clarividente do chefe do Estado ao seu povo. A relação fundadora do Estado era uma relação de doação, uma relação de dar e receber dádivas/presentes/benifícios.
O presidente Vargas por sua “clarividência”, antecipava-se voluntariamente às demandas sociais e outorgava a legislação. A outorga impede o uso da força, necessária quando a conquista precisa ser empreendida. Ao doar generosamente, o Presidente, estava igualmente cumprindo um dever do Estado, na realidade o dever primordial, que era o de garantir a justiça social.
O ato de doar deve ser entendido interessadamente, como um dever, ele igualmente implica uma outra obrigação; a de receber. Assim receber benefícios é um direito, mas é igualmente um dever. Por este motivo, o Estado precisava não só doar, como criar a obrigação de receber. A força da coisa dada está em produzir em quem recebe a consciência de uma obrigação de retribuir como um dever político de natureza ética. A dinâmica proposta na relação entre povo e Presidente era a de um contrato que estabilizava a nação e sustentava o poder do Estado.
Diante disto o procedimento político assume a feição de um fenômeno social “total”, isto é, econômico, jurídico e moral. A força da relação dar-receber-retribuir está em conceituar a prática política como uma espécie de prática religiosa, isto é, como um contrato de adesão direta e total com a autoridade.
Ser cidadão, era pertencer a uma totalidade econômica ( trabalhar = produzir riquezas); jurídica (possuir a carteira de trabalho) e moral (compreender o trabalho como um dever/direito), cidadania era pertencimento. Nesta dinâmica, o povo era o princípio e o resultado da ação do legislador. Ou seja, o Estado brasileiro era produto tanto de uma vontade nacional inconsciente (o povo), quanto de uma vontade racional consciente (o legislador). O Presidente era provedor de seu povo, pois tinha a virtude de entendê-lo e, em o fazendo, de amá-lo. Portanto, para doar era preciso possuir muitas propriedades/qualidades. Era esta condição que não só permitia, mas igualmente obrigava à doação. A virtude e a fortuna estavam na base da outorga como procedimento contratual.
Receber era um ato virtuoso, pois implicava a idéia de aceitar o vínculo, e como tal, de não faltar com a retribuição ao longo do tempo. Retribuir não é pagar dívida; é reconhecer uma obrigação que extrapola a dimensão utilitária. Era desejo do Presidente que seu povo progredisse socialmente. A idéia de progresso estava vinculada às qualidades do legislador, tornando-se uma doação da autoridade clarividente uma revelação do povo naturalmente bom. Este, ao receber, reconhecia a autoridade, ou seja, obrigava-se moralmente perante ela. Aquele que doava vivia através do tempo na memória dos que recebiam, da mesma forma, aquele que tinha fortuna e não doava, morria verdadeiramente: não era reconhecido, não era identificado nem amado.
O contrato de fundação do Estado estabelecia, uma relação pessoal, entre o chefe da nação e todo o povo trabalhador. Quando neste sentido, se refere a “povo” não se fala de toda a população indistintivamente, neste caso “povo” era a massa trabalhadora que estava no mercado formal, os que estavam solidários entre si e com a autoridade. E a marca desta solidariedade era dada por um princípio jurídico-econômico e também moral. O comprometimento pelo trabalho significava ganhar identidade política, no entanto quem estivesse fora do mercado não estaria permanentemente fora dos benefícios governamentais, bastava conseguir “trabalhar” para fazer jus a todas as vantagens sociais dadas pelo governo.
Quando se fala em outorga diz-se de um tipo especial de legislação. Eram leis sociais, particularmente as chamadas leis do trabalho, o que tem um significado duplo, não só pelo sentido da lei, como pelo sentido do universo que ela procurava regular. Legislar sobre o trabalho significava regular o tempo útil e pós-útil do cidadão. Definir que, para aqueles que trabalhavam, o pagamento do salário era insuficiente. Isto porque eles davam vida aa coletividade, e tanto seus patrões como o próprio Estado devia-lhes, além da paga material, uma certa situação de segurança e bem-estar durante o período em que eram produtivos, e mais ainda, quando não o eram mais, por velhice ou morte.
A legislação não era uma caridade, ela era função da solidariedade criada e devida pela autoridade. Mais este sentimento não vinha contrariar a noção da necessidade, do dever de trabalho, nem tampouco a idéia de que cada um devia lutar por seus interesses, por seu “lugar econômico”. O povo tinha o direito de receber, e portanto o dever de retribuir. Ao contrário, ele não tinha o direito de não receber, pois isto significava não ter o dever de retribuir. Daí porque não retribuir- não pertencer, não trabalhar_ era crime. Era o reverso da cidadania. Era estar fora, recusando o vínculo, a aliança.
A invenção do trabalhismo como ideologia da outorga permite justamente refletir sobre a dimensão simbólica que alimentava e dava feição especifica a estas relações políticas, a este pacto social. Esta dimensão põe em foco singular a dinâmica entre repressão e mobilização exercitada neste período, da mesma forma que permite compreender melhor a longevidade das noções construídas pelo discurso político estado-novista.
O grau de eficiência e de permanência de um projeto político é uma questão das mais complexas, o estado brasileiro elaborou e gerenciou neste período de nossa história deixaram marcas que, no mínimo, nos esclarecem sobre o papel central que ainda desempenham no que se pode identificar como uma cultura política brasileira. Combinar uma análise científica moderna e sofisticada com um articulado discurso de apelo popular não é tarefa desprezível.
O grande “segredo” está na lógica que articulava este discurso. Ele releu o passado das lutas dos trabalhadores sem ao menos mencioná-lo, estruturando-se a partir de uma ética do trabalho e da valorização da figura do trabalhador nacional.

Celso de Almeida.

*Foto: Getúlio Vargas