A história mostra-nos o mais largo horizonte da humanidade, oferece-nos os conteúdos tradicionais que fundamentam a nossa vida, indica-nos os critérios para avaliação do presente, liberta-nos da inconsciente ligação à nossa época e ensina-nos a ver o homem nas suas mais elevadas possibilidades e nas suas realizações imperceptíveis.(...)A experiência do presente compreende-se melhor reflectida no espelho da história. Karl Jaspers

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

O clientelismo no Brasil dos oitocentos-análise.


O texto de Ivan Vellasco tem como principal objetivo realizar uma análise da sociedade brasileira e apresentar explicações para sua inaptidão para universalizar direitos e a incapacidade do Estado de construir e avalizar um contrato social baseado na realização plena da cidadania, entendendo-se cidadania como um corpo de direitos alicerçados em bases contratuais e assegurados pelo Estado. Para tal, Vellasco realiza um debate bibliográfico e historiográfico, o autor aponta pontos de convergência e discordância entre diversos autores. Levando em consideração que este texto não tenha pretensão de ser didático e sim um texto mais acadêmico, podemos observar que o vasto debate realizado entre os autores torna sua leitura instigante.
Tem-se elaborado diversos modelos na tentativa de explicar as razões do nosso atraso e constantemente a base de apoio para estas explicações esta calcada na formação da nossa sociedade, e quais os motivos apontados para que não estivéssemos incluídos no fluxo de progresso das sociedades ocidentais, esses motivos seriam frutos de nossa formação. Os elementos formadores de nossa sociedade podem estar apoiados em base herdada ou construída, mental ou social.
Alguns fatores aparecem com freqüência como causas determinantes deste atraso: herança ibérica; determinações de uma sociedade feudal com um patriarcado rural, a escravidão; como limitador de nossas ações, estrutura agrária e concentradora e uma sociedade calçada nos vínculos de dependência pessoal. Neste emaranhado de postulações existe, segundo o autor: “uma virtual inexistência de homens livres, no plano das escolhas e dos horizontes mentais, da dominação asfixiante dos senhores rural”, evidente que uma sociedade construída sobre as bases da não liberdade e da subordinação ao interesse de poucos sobre os direitos de muitos não poderia de forma alguma ser destinada ao progresso.
Diante destas constatações o texto passa a discutir as relações entre Estado e sociedade. Neste debate um fator tem sido apontado constantemente, a presença e permanência da lógica privada no interior do espaço público. Este fato seria o definidor do nosso comportamento na esfera pública, sempre inundada das relações pessoais como fator de determinação de políticas públicas, culminando assim, em uma privatização do público. Este hábito prolongado através dos tempos acaba por sugerir que este seja um comportamento seja uma espécie de conscientização da normalidade, mais ainda, surgem os defensores que afirmam que tal método seria válido. A inquietação com a possibilidade de aceitação de que é correto que o menor (privado) valha mais que o maior (público) é que determinou a escrita do texto de Ivan Vellasco. Ampliado para as novas formas de entendimento da moderna historiografia.
O texto trabalha estas questões a partir do subtítulo: Ordem privada, dependência e clientelismo: os modelos interpretativos. O texto apresenta uma gama variada de análises do pensamento social brasileiro, ancorado pelo pensamento do domínio da lógica privada, a favor do patronato e do clientelismo como formas de determinação social pode-se trabalhar com três linhas de explicação.
A primeira linha de análise esta baseada nas determinações da estrutura social como sendo definidas pelo processo de colonização, apresentadas em uma estrutura social, onde existia um Estado incipiente e fraco frente aos poderosos proprietários rurais, estes sim, com seus poderes absolutos, que tornam “suas propriedades” as instituições públicas locais para a realização de seus interesses privados, sempre na busca da obtenção e distribuição de benesses, autores como Oliveira Viana e Nestor Duarte são defensores desta linha de pensamento. Esses proprietários frente à fraqueza do Estado, que se via impossibilitado de quebrar este circulo, formavam verdadeira rede da qual o clientelismo era sua principal fonte de domínio. E neste modelo de sociedade inexiste a possibilidade de um sistema liberal, que incorpore indivíduos à cidadania, é um tipo de estrutura social marcada pela preponderância do poder privado e pela dependência e incapacidade propositiva dos dominados. É nos postulados de Oliveira Viana que Caio Prado busca embasamento para a imagem de um clã patriarcal, como descrito em seu livro, Formação do Brasil Contemporâneo, uma sociedade formada por uma categoria de senhores e de escravos, nitidamente definidas e que encontravam coerência na racionalidade do modo de produção econômica reduzida a monocultura exportadora e ao grande latifúndio escravista que nos incluiria modelo de mercado capitalista. Existiria ainda segundo Caio Prado uma categoria dos desclassificados, formada por uma massa disforme, tosca, sem lugar ou função no sistema, descartáveis para a apreensão do movimento social. Para Maria Silvia de Carvalho esta massa de “descartáveis” vagou ao longo de quatro séculos, e seu único vinculo com a sociedade se dá através das relações senhoriais de dependência, era uma massa submissa e incapaz de demonstrar interesses, mesmo porque não seriam capazes de efetivá-los, neste sentido, serviam perfeitamente a lógica da dominação privada. Em consonância com Caio Prado, Luiza Werneck afirma ainda, “desse indivíduo dependente não sai o cidadão”. Maria Silvia aponta ainda que a falta de recursos de um Estado, sabidamente patrimonializado, como um dos fatores que o impediam de implantar uma ordem social racional-legal, seria necessário portanto, uma transformação a fim de produzir um Estado capaz de separar os espaços e interesses públicos dos privados. Esta era uma visão simplista da estrutura social, e a ela Kátia Mattoso opõem-se com a seguinte afirmação: “de maneira peremptória e definitiva, a mais pobre das visões, a mais imprecisa das descrições de uma sociedade”. Destas relações de favor entre os senhores e os pobres livres surgia um contexto da sociedade, baseada nas benesses da patronagem e do clientelismo.
A segunda vertente de que o texto trata fornece como forma de estruturação da sociedade brasileira o transplante do Estado patrimonial ibérico, esta vertente da conta do transporte e reprodução das estruturas de Portugal e que aqui teriam sido reproduzidas ao longo de séculos, uma estrutura altamente centralizadora e imune a interferências de grupos sociais, até mesmo porque aqui não existiam estas forças capazes de interferir no processo. Simon Schwartzman destaca que a estrutura apresentada no modelo de transposição ibérica impossibilita a construção de uma ordem racional-legal, condição necessária a modernização e ao progresso. Neste sistema de domínio patrimonial-burocrático possuidor de um individuo desprovido de iniciativa e sem direitos diante de um Estado Centralizador, mesmo que este se apresente ineficiente. Schwartzman argumenta que apesar das deficiências o poder do Estado sustentava-se na própria máquina burocrática como forma de conseguir manter-se acima das estruturas locais, que só poderiam se expressar através de uma associação com o Estado.
Para destacar a postulação da terceira vertente interpretativa das nossas estruturas sociais destacaremos um trecho do autor; “analises acentuam nossa herança ibérica e formação social específica, que dariam as bases de uma cultura patriarcal, marcada palas relações pessoais, pelos vínculos afetivos e pelas relações familiares, todos esses avessos à lógica da universalização e indistinção que definiriam as instituições de um Estado moderno”. Esta analise é encontrada na obra Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, onde este aponta para os problemas na formação da sociedade brasileira como fruto da herança cultural ibérica, na forma do personalismo, também desenvolvido em solo brasileiro e que aqui for reforçado pela estrutura rural, contribuindo para definir as características do nosso patriarcalismo e patrimonialismo, em que se destaca de forma inequívoca a invasão da esfera publica pelo privado, em outras palavras poderíamos dizer que é o Estado tomado pela família. Holanda destaca a sociedade que tem nos laços de sangue e de coração como fornecedora de um modelo de sociedade baseada nas relações pessoais. O Estado brasileiro não foi formado com base em impessoalidade e na universalidade, fatores que caracterizam a formação do indivíduo moderno. No Brasil “cada individuo afirma-se ante os seus semelhantes indiferentes a lei geral (...) atento apenas ao que o distingue dos demais”. Nossa cordialidade , não iguala, mas distingue, distancia, hierarquiza. Roberto Damatta é outro autor que se põem em consonância com os escritos de Sérgio Buarque de Holanda, para ele uma sociedade formada através deste processo inspira constantemente “total desconfiança nas regras e decretas universalizantes”. Para Damatta o apadrinhamento e o compadrio solapam a universalidade dos direitos e deveres, o que em outras palavras impedem o estabelecimento da cidadania, que não teria se formado entre nós por falta de um Estado capaz de mostrar autoridade e solidariedade de forma tradicional.
Clientelismo, Estado e redes de poder
José Murilo de Carvalho destaca a maneira pela qual este tema é tratado, em uma espécie de senso comum, é um tema que todos têm conhecimento e do qual se sentem confortáveis para abordar. Segundo o autor, o conceito de clientelismo implica “um tipo de relação entre atores políticos que envolve concessão de benefícios públicos (...) em troca de apoio político”. O clientelismo se apresenta com variados matizes, ora aparecendo como uma manifestação do mandonismo local e suas variantes outras vezes parecem um fenômeno bem próximo ao “coronelismo”, ora se oponha a este como um correspondente urbano. Na obra de Richard Graham, este aborda o clientelismo como fruto de um sistema que superou na política brasileira ao longo do século XIX, não é, portanto, surpresa que os “homens do império” passassem a maior parte do tempo na construção de redes de clientelismo. Essas redes, propagadas e acionadas, através das eleições tornavam uma corrente capaz de ligar a corte até o local mais remoto do Território Brasileiro. Já Jose Murilo de Carvalho provoca uma reviravolta no conceito de clientelismo, afirmando que ao contrário do que se possa imaginar o desequilíbrio da balança política pendia para o lado dos senhores rurais. Ao que parece o Estado era cliente do senhoriato rural.
Outras linhas de análise vêm sendo adotadas, linhas estas que apontam para uma possível rede de clientelas nucleadas na família e ampliadas através de alianças, que garantiriam coesão política e econômica.
Autores como Hespanha e Xavier, participantes das reflexões mais recentes a cerca da historiografia brasileira, apontam para uma nova forma de entender estas relações, baseadas na “economia do Dom ”. Estes mesmo autores salientam que as redes clientelares não se resumiam a relações de dominação e submissão, ao contrário, eram fundamentadas na ambigüidade, como uma geradora de “redes de interdependências”. Não havia somente a lógica do controle unilateral e do interesse, havia um jogo de reciprocidade, direitos, deveres e compromissos, que acimentavam uma rede social, que de outra forma não se sustentaria.
O texto mostra que as relações clientelistas devem ser pensadas em uma lógica de reciprocidade onde ocorria uma ajuda mútua e que as ações dos envolvidos, ou dos que acreditam dela participar, era determinada pelo laços da parentela e da aliança. Hespanha e Xavier mostram nesta afirmação a síntese de seus pensamentos sobre o clientelismo: “na relação patrão-cliente exige-se uma contensão de parte a parte, numa busca incessante de justiça (...) esse tipo de relação é todo menos arbitrária”.
A partir das preposições apresentadas, Ivan Vellasco procura trabalhar no sentido de realizar uma análise das idéias, ele destaca o evidente posicionamento dos autores que situam o fenômeno das redes clientelares como parte de uma lógica estruturante das relações sociais produzidas no antigo regime, uma sociedade historicamente definida e que mais tarde ganharia um tom espúrio e ilegítimo. A economia do Dom como forma de equilíbrio entre os poderes locais e centrais, privado e Estado, em uma lógica de alimentação recíproca desde as primeiras décadas dos oitocentos.
Não podemos ficar atrelados a esta ou aquela corrente; Estado Forte, Estado Fraco, Poder local suplantando o Estado Central, tudo isto na realidade fez parte do processo de estabelecimento desta sociedade em formação, que por fim foi forjada no calor das negociações. Por um lado o período colonial fica caracterizado com o predomínio do privado sobre o poder público, das redes de clientela sobre a lógica das instituições de governo, a partir da Constituição de 1824, e o desenvolvimento inicial do Estado-Nação gera o início de um longo processo de polarização e ao menos tendencialmente, de inversão.

Análise do texto de Ivan Vellasco: Clientelismo, ordem privada e Estado no Brasil oitocentista: notas para um debate.

Por:Celso de Almeida.

As notícias em Paris: Uma pioneira sociedade da informação no Séc. XVIII



 Podemos afirmar que a Paris do Antigo Regime possuía um peculiar modo de propagação de notícias, oficiais e extra-oficiais, as notícias oficiais publicadas em jornais, com forte crivo da censura e uma publicação voltada para atender aos interesses do governo, mas, sem dúvida as notícias que “corriam” de forma extra-oficial, são as mais interessantes, por não estarem sob o jugo da censura, eram mais livres e recheadas de temas que na maioria das vezes eram contrários aos interesses da monarquia. Então poderíamos perguntar: como se ficava sabendo das notícias em Paris por volta de 1750? Se a leitura de jornais não trazia grandes novidades (censurados pelo governo) o “jeitinho parisiense” era recorrer a conversas informais, como por exemplo, os que aconteciam sob um grande e frondoso castanheiro localizado no coração de Paris, apelidado de Árvore de Cracóvia. Como um poderoso imã a árvore atraía boateiros (nouvellistes de bouche) que espalhavam de boca em boca as notícias sobre os eventos correntes. As notícias, geralmente sobre os bastidores do que ocorria no poder, eram dadas com a “certeza” de sua veracidade, eram “sempre” informações vindas por informantes de dentro do próprio Palácio de Versalhes. O próprio governo mandava à árvore seus espiões, para saber do que se falava nas ruas, governos estrangeiros enviavam mensageiros, para colher e também implantar boatos. Mas, não era somente na Árvore de Cracóvia que ocorriam tais reuniões; outros centros nervosos também transmitiam “rumores públicos”: cafés, bulevares, tulherias e o Jardim de Luxemburgo, eram outros dos pontos de transmissão das notícias.
Os parisienses tinham um ávido apetite por informação, que era coletada e comparada a fim de descobrir o que de fato estava acontecendo. Famosos salões de Paris também se encarregavam desta rede de transmissão de notícias, mas acima de tudo na Paris destes tempos, ter acesso a notícias significava postar-se na rua e manter ouvidos atentos.
Por mais atípico que pareça as diversas formas de circulação de notícias, quer fossem: oral, manuscrita e impressa, feita clandestinamente era, muito provavelmente, a mais “confiável” no que tange a realidade do que estava acontecendo, pois através de jornais e gazetas autorizadas, as notícias que circulavam eram somente aquelas que interessavam ao governo. Os censores do governo não somente reprimiam a heresia e a sedição, também protegiam privilégios, pois que, alguns jornais possuíam “privilégios régios” para a cobertura de certos assuntos, e qualquer novo periódico não poderia se estabelecer sem pagar aos inspetores do comercio de livros. Muitas vezes a própria imprensa francesa exagerava ao falar do servilismo dela mesma, existiam numerosos periódicos, muitos deles escrito em Francês, fora da França, que forneciam informações sobre os eventos políticos, especialmente durante o reinado relativamente liberal de Luís XVI. Mas claro, se algum desses se aventurasse a criticar o governo era imediatamente liquidado pela máquina repressora do regime, seja pela repressão policial, quer pela exclusão do correio . Portanto jornais existiam, mas traziam poucas noticias, e contavam com pouca confiança do leitor, mesmo os impressos fora da França.
A imprensa estava longe de ser livre, era subdesenvolvida, se comparada à imprensa holandesa, inglesa ou alemã no mesmo período. Este subdesenvolvimento, no entanto não pode ser creditado de forma alguma a capacidade do público leitor, uma vez que, esse público era bastante curioso a respeito dos negócios públicos e começava a tomar consciência de si próprio como uma nova força política, começava assim a surgir a “opinião pública”, mesmo ainda sem direito a voz na condução do governo. Existia, portanto uma clara oposição entre uma população sedenta de notícias e um governo de formas absolutistas que mantinha sob a imprensa pesada mão de ferro.
Não se pode observar os meios de propagação de notícias na França do antigo regime de forma anacrônica, não havia os meios que hoje existem, no entanto isto não significava simplicidade ou falta de meios, era diferente, no entanto existia uma densa rede de comunicação formada por meios e gêneros hoje esquecidos. Notícias transmitidas em mensagens sobrepostas e entrecruzadas; faladas, escritas, impressas, desenhadas e cantadas. De todas, a de mais difícil observação e análise para o historiador é comunicação oral, porque esta quase sempre desaparece no ar. Mas felizmente para o historiador o antigo regime francês era um estado policial (entenda-se “policial” a maneira do século XIX, como administração municipal) e esta polícia era sensível à importância da opinião pública, mantida sob constante vigilância por espiões em todos os lugares onde s pessoas se reuniam. Claro está que não se deve levar em conta literalmente o que está escrito nos arquivos policiais. Eles tinham um viés embutido, que muitas vezes revelava sobre seus autores do que sobre as pessoas observadas.
Os documentos que dispomos na Bastilha é uma amostra tendenciosa, claro, mesmo porque a polícia não prendia as pessoas que falavam a favor do rei, desta forma devemos levar em consideração que importantes instrumentos que nos possibilitariam análises podem ter sofrido distorções. A análise destes documentos também revela que assuntos como a vida sexual da corte era assunto que fornecia vasto material para os “fuxicos”, e que a opinião pública nem sempre estava contra os acontecimentos da corte, havia momentos de júbilo e de revolta. Muitas histórias eram contadas utilizando-se personagens fictícios. As canções também foram um importante meio de transmissão de notícias, muitas delas originavam-se na corte, mas terminavam por alcançar as massas populares, os parisienses possuíam uma forma peculiar de lidar com as canções, eles compunham novos versos e utilizavam velhas melodias, de acordo com os novos acontecimentos que desejavam retratar. Nesta Paris podia-se mesmo dizem que havia “uma monarquia absoluta temperada por canções” neste ambiente, uma canção envolvente poderia facilmente espalhar tão rapidamente quanto um rastilho de pólvora, e à medida que se espalhava seu crescimento era inevitável, pois a ela eram acrescentadas novas palavras e versos: muitos destes versos, escritos em pequenos pedaços de papel e trocados nos cafés, ainda podem ser encontrados em “caixas, guardadas na Bibliothéque de L’arsenal em Paris, tendo sido confiscados por inspetores de polícia aos prisioneiros da bastilha. Pelo episódio que envolveu o conde de Maurepas, ministro da marinha e amigo íntimo do rei, pode-se ter uma noção d proporção do “sucesso” que alcançou este tipo de midi na Paris absolutista, Maurepas se serviu das canções para regalar ao rei, levando a estes canções que falavam tanto de seus inimigos, como também aquelas que falavam dele mesmo. Isto sempre divertiu Luis XV, até o dia em que Maurepas deixa vazar em forma de canção um episódio ocorrido dentro dos aposentos do rei, onde só se encontravam o rei, sua amante (Mme Pompadour) juntamente com uma prima sua e o próprio conde, evidentemente Luis chegou à conclusão obvia de que quem havia “vazado” os acontecimentos fora o conde, tendo o rei providenciado sua dispensa do cargo e seu banimento de Versalhes.
As letras das canções eram de tal forma, acrescidas de palavras e versos e passadas de um para outro, que a polícia de Paris pode constatar a impossibilidade de chegar do verdadeiro autor de qualquer uma delas, como no exemplo da música “monstre dont La noire furie” (Monstro cuja negra fúria), ofensiva a Luis XV, mas que a polícia depois de 14 detenções cada uma produzindo um relatório diferente, se viu impossibilitada de determinar seu autor.
Fossem cantados ou recitados de memória estes versos não tardavam a chegar às gazetas manuscritas e mais tarde as impressas. Tal importância ganhou este tipo de propagação das notícias que dois longos poemas que falavam de forma hostil a história do reino de Luis XV, não tardaram a tornar-se “best-seller” na década de 1780. Ao discutir o surto de canções e poemas em 1749, a obra comentava:
“Foi nessa época vergonhosa que o escárnio geral pelo soberano e sua amante começou a tornar-se manifesto, depois continuou a crescer até o fim do reinado [...]. Esse escárnio irrompeu pela primeira vez em alguns versos satíricos sobre a infâmia cometida contra o príncipe Edward [Charles Edward Stuart, ou Belo Príncipe Charlie, o Jovem Pretendente, que foi preso em Paris em 10 de dezembro de 1748, e expulso do reino em conformidade com exigências britânicas aceitas pela França na paz de Aix-la-Chapelle], nos quais Luís XV é interpelado numa passagem que o compara com aquele ilustre exilado:
Il est roi dans les fers; qu’êtes-vous sur le trône?
[Ele é um rei sob grilhões; quem és tu no trono?] “

Todas as figuras públicas eram satirizadas pelos versos e canções, as estrofes cobriam todos os grandes eventos e os assuntos políticos entre 1748 e 1750, a versificação era tão simples que novos alvos de zombaria podiam facilmente ser acrescentados a medidas que os eventos se desenrolavam. É impossível aquilatar o tamanho desse “corpus”, mas podemos ter idéia quando se constata as evidências encontradas nos arquivos em Paris. E a conclusão é de que se tratava de uma mídia de gigantescas proporções, portanto, impossível de ser parada ou detida. Hoje ainda se pode ter acesso nas principais bibliotecas de paris, a um grande número de versos que a aproximadamente 250 anos formavam canções, claro que com o passar do tempo os sons se perderam.
Ao estudar os meios de comunicação da Paris do antigo regime não podemos pensar em separação, deve-se entender como um processo que não importava a origem da mensagem, mas sua ampliação e de que maneira alcançava o público, uma propagação que não reconhecia territórios ou classes sócias, até mesmo porque nesta Paris todos os públicos se cruzavam por toda parte. É imperativo também se realizar uma análise da maneira que eram compreendidas as notícias, esta compreensão envolve recepção e difusão. A toda esta profusão de notícias, passadas por canções ou poesias escritas em pequenos pedaços de papel, muito dificilmente poderíamos chamar de história séria, talvez o mais correto e tratá-los como folclore político, no entanto não podemos ignorar este tipo de “noticiário”, é correto levá-los a sério, mesmo porque talvez ele tenha sido fundamental no colapso do antigo regime francês.
Os assuntos dos Libelles e Chroniques Scanda Leuses variavam pouco basicamente a corte fornecia o assunto que se fazia necessário a publicação como pode observar neste trecho:
“a corte está sempre afundando mais e mais na depravação, os ministros estão sempre enganando o rei, o rei está sempre deixando de cumprir seu papel como chefe de Estado, o poder do Estado está sempre sendo mal utilizado, e o povo está sempre pagando o preço pelas injustiças cometidas contra ele – impostos mais elevados, sofrimento crescente, mais insatisfação e impotência diante de um governo arbitrário e todo-poderoso” (...) “a polícia era uma série interminável de variações sobre um mesmo tema, decadência e despotismo.”

Para tentar explicar todo o processo é necessário remontar a renascença onde se desenvolveu a arte do insulto e da boataria, que com o passar dos anos modificou-se até culminar com esta vasta efusão de Libelles sob Luis XV e Luiz XVI. Certo é que: Libelles, fuxicos, poemas, canções, publicações, anedotas, todos se entrelaçavam em um sistema de comunicação tão poderoso que foi decisivo para a queda do regime.

Conclusão
O texto possui uma escrita contagiante para qualquer um com o pela forma de propagação de notícias, trata-se de uma forma de mostrar a história no ponto de vista oposto ao oficial, mesmo assim o autor consegue implementar veracidade, utilizando-se de fontes históricas, e nos mostra que seja em Paris do séc XVIII ou no mundo globalizado do século XXI é impossível conter a disseminação das notícias, mas na Paris do Antigo Regime a oralidade foi por certo o maior dos veículos de notícia, tanto que, a partir deste instante fez surgir uma importante forma de expressão de um povo, a “opinião pública”.


Análise do texto de Robert Darnton:As notícias em Paris: Uma pioneira sociedade da informação.

Por: Celso de Almeida.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

A UNIVERSIDADE E A FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS PARA O SÉCULO XXI

Os caminhos para a excelência pessoal e profissional passam, necessariamente pela educação. É especialmente nos ambientes universitários, que os sujeitos despertam suas consciências para a necessidade de se tornarem competentes, com o objetivo de se diferenciarem enquanto profissionais. Percebe-se aí, um caminho fértil para os educadores contribuírem, de modo relevante, para que os futuros profissionais capacitem-se na arte do saber, do saber fazer, do saber ser e conviver (DELORS, 1996).

Este artigo aborda a temática do ensino superior, alertando para a importância de se planejar e organizar um currículo que complete, no mesmo grau de importância, conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais, visando à formação de profissionais competentes, capazes de atender às exigências do seu entorno social.

O ensino superior tem figurado, atualmente, como tema polêmico e vem suscitando uma série de questionamentos e reflexões sobre o papel da universidade na formação de profissionais habilitados a lidar com a complexidade dos desafios que emergem, na sociedade mutante deste novo século. O mercado de trabalho vem mostrando-se, cada vez mais exigente, em qualquer área de atuação. Não basta ter conhecimentos científicos elaborados e saber aplicá-los, de modo comum, do jeito que todo mundo faz. É preciso ir além, demonstrar criatividade para inventar um jeito próprio, fugir do que é tradicional. Essa é uma aprendizagem que a universidade precisa desafiar seus acadêmicos a construir. Para isso, precisará vencer alguns limites, alargar horizontes e passar do ensino marcadamente teórico, acadêmico, para o ensino e a aprendizagem de conteúdos procedimentais e atitudinais.

Na concepção de Zabala (1999) a aprendizagem de conteúdos procedimentais implica em aprender a fazer, na prática, aquilo que assimilou na teoria. Bem se sabe que o mercado de trabalho, as organizações que geram empregabilidade procuram um perfil de profissional, que, seguramente, não é aquele que apresenta o maior numero de títulos. É o que consegue ser capaz de demonstrar o que sabe e, em igual grau de importância, mostrar o que sabe fazer com os conhecimentos construídos, bem como, mostrar as competências do ser, as vivencias que lhe são proporcionadas no ambiente da organização.

Seguindo essa linha de raciocínio, indaguemo-nos: - Como estão sendo trabalhados os conteúdos procedimentais e atitudinais nas nossas universidades? Certamente os conteúdos conceituais estão sendo muito bem elaborados e ensinados. Mas isso, somente, não capacita os estudantes a exercerem a profissão escolhida, com chances de sucesso.

Demo (1999), ao discorrer sobre os desafios modernos da educação, questiona, de forma contundente, o papel da universidade. Na sua concepção, a universidade não pode se constituir num campus repleto de salas de aula, mas num lugar onde se fomenta a produção própria qualitativa, o “saber-fazer” e não o seguimento de caminhos desvendados e trilhados por outros, como mera copia da produção alheia. Se é da pratica que emerge a teoria, é com ela que os estudantes precisam ser desafiados a estabelecer vínculos concretos para a aprenderem a fazer.

A realidade difere um pouco de como se apresenta na teoria. Ela nos surpreende com seus imprevistos, suas peculiaridades, já que resulta de um processo vivo, dinâmico. Nenhum padrão se adapta nesses contextos. É por isso que nossos estudantes precisam fazer vivencias que lhes permitam descobrir sua potencialidade e seu grau de limitação, podendo assim, ir aparando arestas, aperfeiçoando métodos, processos, amadurecendo raciocínios, melhorando concepções sobre padrões valorativos e ir transformando comportamentos e atitudes. Isso é aprender.

Demo (1999) sinaliza que educação deve significar, na sua essência, emancipação, ou seja, a possibilidade de se aprender a fazer com autonomia e condena aqueles professores que só socializam o conhecimento, passando informações sobre a matéria, denominando-os de “auleiros”. A crítica de Demo mostra-se mais aguda, quando anuncia que: “Quem permanece no mero aprender, não sai da mediocridade, fazendo parte da sucata” (ibidem, p.131).

O que o autor nos traz, como ponto de reflexão, é que a vida acadêmica precisa ultrapassar o âmbito do conhecimento teórico. Alem da qualidade formal, técnica, igualmente imprescindível, é que nossos acadêmicos aprendam, no exercício da pratica, como ser um profissional de excelência, preparando se para lidar com exigências de uma sociedade em continuo e irreversível processo de mudança.

Demo define produtividade como a capacidade de pensar e intervir na realidade e alerta para o fato de que a universidade precisa preparar seus estudantes para consolidar essa competência nos espaços que vem urgindo no mundo moderno; ressalta que a formação desses sujeitos deve contemplar “visão e ação sempre renovadas em termos de inovação cientifica e tecnológica, nas quais, capacidade laboratorial, experimental, é crucial” (1999 p.132).

Há que se refletir, igualmente, sobre a importância de se trabalhar com conteúdos atitudinais. Esses, não são conteúdo só para educação básica, como se pensa comumente. O processo de amadurecimento e evolução do ser humano não obedece a ciclos específicos; ele é permanente, gradativo e acontece por meio da educação. Como formar bons profissionais se não cuidarmos da formação das suas atitudes? Não há como. É fazer trabalho pela metade.

Se a universidade almeja realizar um processo ensino-aprendizagem de relevância para o contexto social onde se insere, os educadores precisam desafiar-se a pensar formas de trabalhar conteúdos atitudinais. Esses futuros profissionais precisam aprender que conviver num ambiente de trabalho implica em respeito a regras, atitudes de cooperação e não de competição, em disciplinar a vontade para fazer escolhas que só a médio ou longo prazo lhes trarão retornos satisfatórios; precisam aprender a desenvolver inteligência emocional através do autoconhecimento, para construírem uma auto-estima saudável e desenvolver resiliência, para superar seus próprios limites diante de frustrações e de situações-problema que terão de experimentar, inevitavelmente, no curso da vida. Para ser educador, é preciso entender de gente, buscar nos estudos da psicologia, fundamentos para saber lidar com o comportamento humano; pesquisar e descobrir dinâmicas, textos, músicas, documentários, filmes e outros meios que sirvam como ponto de partida para a discussão, reflexão, formação de conceitos e de atitudes em relação a estes conteúdos, tão valorizados na composição de um perfilo de profissional para a propriedade do século XXI.

Conforme sugere Oliveira (1997, p.17) “Devemos analisar as implicações de uma visão global da pessoa humana em seus aspectos racionais, afetivos e emocionais, pois precisamos nos livrar dos paradigmas despersonalizantes e puramente racionalistas pelos quais a pessoa humana não é tratada em sua globalidade, mais aparece como peça de uma engrenagem”.

A discussão sustentada ate aqui pretende servir como uma proposta de reflexão, de análise, de possíveis planos coletivos e individuais Ed ação, em âmbito de universidade. Todos precisam chamar, para si, a responsabilidade de contribuir na formação de profissionais competentes no domínio do saber, do saber-fazer e do saber-ser junto aos outros, abrindo possibilidades para uma convivência enriquecedora, de trocas salutares, inteligentes, que contribuam para o crescimento das pessoas e das organizações.

Cabe um chamamento aos estudantes da academia. É importante lembrar-lhes que cada escolha implica numa renúncia. E, a escolha por ser um profissional que fará a diferença no mercado de trabalho, implica em empreender esforço próprio, disciplinar a vontade, não ficar à espera que milagres aconteçam tão-pouco “pegar carona” na vida de outros, na dependência eterna da famigerada “cola”, ou pedindo para que acrescentem seu nome ao trabalho do qual sequer conhece o conteúdo. Dignidade, respeito pessoal e profissional constrói-se desde o início da formação. Luft (2004, p.107) defende uma tese interessante: “Acredito que viver é elaborar, é criar: são inevitáveis as fatalidades, doença e morte. O resto – que é todo o vasto interior e exterior – eu mesma construo. Sou dona do meu destino. É mais cômodo queixar-me da sorte em lugar de rever minhas escolhas e melhorar meus projetos”.

É comum alguns estudantes encontrarem inúmeras justificativas para não fazerem, bem feito, aquilo que deles se exige. Essa postura não soma. Subtrai. Profissionais excelentes, que se destacam que são referencias na sociedade, não se construíram, assim, por acaso ou por influencia de qualquer traço de herança genética. Mas porque lutaram contra seu próprio desanimo, enfrentaram seus medos, construíram crença na sua capacidade, no poder divino que habita em seu interior e foram à luta, sem poupar-se, sem terem pena de si mesmos. Vale refletir sobre o alerta de Luft (ibidem, p.39) que vem reforçar esta reflexão: “Não é só culpa dos outros se ficamos truncados. Em cada estágio podermos colorir algum traço, algum ponto, alguma cor no projeto de quem pretendemos ser”.

Eis o importante desafio que se Poe diante de educadores, de acadêmicos e da universidade, como um todo: empreender esforços e reunir o máximo de entusiasmo, de desejo interior para saber mais, fazer melhor e trabalhar para fazer aflorar todas as potencialidades do ser, educando-se e colaborando na educação dos outros para que todos se formem profissionais capazes de fazer a diferença, tornarem-se referencia e fazerem-se necessários, imprescindíveis onde quer que atuem.

“Há homens que lutam um dia e são bons. Há outros que lutam um ano e são melhores. Há os que lutam muitos anos e são muito bons. Mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis.” (Bertold Brecht)

Referências

DELORS, Jacques et al. Educação, um tesouro a descobrir. Relatório da comissão internacional sobre educação para o século XXI. Lisboa: Asa, 1999.

DEMO, Pedro. Desafios modernos da educação. 8. Ed. Petrópolis: Vozes, 1999.

LUFT, Lya. Perdas e ganhos. 19. Ed. Rio de Janeiro: Record, 2004.

ZABALA, Antoni. Como trabalhar os conteúdos procedimentais em aula. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.

Resumo

Autora: Marisa Crivelaro da Silva

O MUNDO DOS SENHORES DE ESCRAVOS (USA)


 Introdução

A visão do mundo construída pelos senhores de escravos no sul dos Estados Unidos era um tanto quanto singular e causava certo estranhamento se tomada por olhares munidos de conceitos já estabelecidos, principalmente por homens que incorporavam os princípios do liberalismo e a defesa de uma sociedade livre. Foi neste contexto que se desenvolveu no Sul a defesa pró-escravidão, que os senhores frente aos ataques dos liberais revelaram a sua concepção ideológica de organização social.
É preciso analisar as circunstâncias que possibilitaram o surgimento de tal visão de mundo, são três os fundamentos que serão elencados: A adoção do Modo de Produção escravo, a separação da Grã-Bretanha e “(...) a realização de um acordo adequado durante a crise constitucional (...)” contribuíram para o estabelecimento do poder regional e as linhas gerais do nascimento de uma Ideologia. Algumas questões devem ser levantadas para que haja a melhor compreensão do que se passava com esses homens que viviam em dualidade. Por que cultivaram um sistema de organização da sociedade arcaico num contexto que inviabilizava a sua aceitação? O que sentiam e exprimiam esses homens acerca de sua “defesa”? Como essa visão de mundo construiu-se? O Porta Voz dos Senhores do Sul foi George Fitzhugh que como eles comungava dos princípios da Sociedade Sulista.
A vigência do trabalho escravo passava por necessidades mais do que econômica. A classe dos fazendeiros surgiu, cresceu, desapareceu dentro do modo- de- produção escravo, as forças produtivas desenvolveram a elite sulista que continha em si, o mundo da fazenda patriarcal que era o fundamento dos princípios da visão de mundo desses homens que defendiam uma escravidão orgânica, em contrapartida a economia de mercado desenvolvida pelo mundo burguês. A realidade dicotômica vivida por uma classe essencialmente escravocrata dentro de uma economia de mercado levou a defesa de que a escravidão era orgânica e não uma relação comercial. Com isso, os Senhores do Sul desenvolveram um conjunto de idéias distintas dos liberais sobre a sociedade e sua estrutura. Segundo Genovese, esses princípios representaram a base da defesa intelectual da classe escravocrata:
1) O que torna um homem humano é sua dependência das vontades alheias e suas existência com um ser em sociedade.
2) A necessidade de contar com os outros implica no sacrifício da liberdade individual em troca da proteção.
3) O homem sendo de incapaz de viver isolado, deve tudo à sociedade.
4) O individuo pode alienar toda a propriedade de sua própria pessoa, não apenas da capacidade de trabalho e deve fazer isso se esperar a proteção e apoio de outrem. Como proprietário adquirir confiança e responsabilidade nesta relação, sua liberdade deve ser limitada à vontade geral dos proprietários como classe.
5) A sociedade humana consiste em uma série de relações de marcado.
6) Como a liberdade das vontades alheias é o que torna um homem humano, a liberdade da cada individuo pode juntamente ser limitada somente por obrigações e regras tais como as necessárias a garantir a mesma liberdade a outros.
7) A sociedade política é uma invenção humana para proteção da sociedade do homem e, portanto, para a manutenção de relações regulares de produção entre indivíduos considerados proprietários ou propriedade de outros. No entanto, é mister considerar as impressões de uma conjuntura hibrida, de uma sociedade dual contraditória, como é bem evidenciado em Fitzhugh. Apesar da justaposição em seu sistema a Ideologia possuía coerência no que propunha. A relação senhor-escravo, à comunidade da fazenda, a vivência no modelo capitalista e sua crítica permearam o ideário dos Senhores de escravos levando a construção de uma ideologia própria fruto da contradição da escravidão numa sociedade “burguesa” suscitou o mecanismo de autodefesa do seu mundo. O argumento pró-escravidão originou-se após os primeiros ataques antiescravidão e tinha dentro da sua lógica um forte embasamento. Para a sociedade escravocrata, a escravidão era o modelo de organização mais adequado, perfeito para toda mão-de-obra. “Paulatinamente” os senhores de escravo, tomavam consciência das suas idéias e expunham a sua Ideologia ao mundo, não se tratava somente da defesa de uma classe ameaçada pelo perigo eminente que a circundava, estes homens realmente criam na sociedade escravista como uma experiência social positiva tanto para explorados quanto para exploradores. À Fitzhugh delegou-se a tarefa de levar o argumento a sua decisão final. A origem da elite escravocrata no sul foi marcada por um debate a cerca de sua inerente tendência aristocrática, porém o que vale como importância na análise apresentada, era o desfecho que a elite sulista teve em sua trajetória tornando-se uma classe consolidada com uma lógica toda própria em sua maneira de ser e conduzir a sociedade.

Filosofia dos Senhores de Escravos
À priori é relevante considerar que a defesa de uma filosofia no sul passou mais por questões sociais e por isso, é relacionada intrinsecamente a sociologia por seus precursores. Para a construção de um aparelho Ideológico social é preciso subsidiar-se em idéias que fomentavam a formulação decorrente do pensamento que ratifica a sua Ideologia. O desencadear deste processo evidencia-se na afirmação ou negação de conceitos sócio-politico-culturais e econômicos que por sua vez foram à alavanca de propulsão da defesa de seus princípios teóricos. O desenvolvimento da filosofia, ou melhor, Sociologia sulista representada principalmente por Fitzugh. Criticou os fundamentos do Iluminismo e segundo ele “(...) Os filósofos, argumentavam, confundiam o mundo moral com o fictício, e isto não era estranho, porque tinham começado a duvidar se havia qualquer outro alem do mundo ficticio(...)”. Cabe destacar que a crítica social do sul ao Iluminismo era isolada dento do contexto do mundo burguês em que se situava, ou seja, não era oportuno o momento de fazer-se uma defesa radical do modelo escravista, se para a sociedade não he causava “incômodo” . Nesta passagem observa-se a clareza desta exposição ”Nenhum esquema para uma mudança de sociedade pode fazer-se de sorte a aparecer agradável imediatamente exceto pela falsidade ate que a sociedade tinha se desesperado a tal ponto que aceite qualquer mudança. Uma sociedade cristã só se torna aceitável depois que se tinha examinado bem as alternativas”. O modelo social defendido pelo sul era a revitalização de valores que o mundo não cria mais e Fitzhugh, segundo Genovese foi o principal expoente, lançando as bases de um sistema filosófico alternativo. Mas no que consistia essa construção social? O alicerce do fundamento filosófico pró-escravista baseava-se além da crítica aos princípios burgueses na defesa de uma religião na vinculação dos valores direcionados à defesa da escravidão. A filosofia sulista criticava também o cosmopolitismo do liberalismo, a influência externa que os impedia de estabelecer sua individualidade intelectual e moral colocando-se numa postura um tanto quanto constrangedora, a defesa dos interesses econômicos entenda-se como fazenda levaria a negação da filosofia vigente no mundo burguês ao qual também pertenciam. Para os pró-escravistas o homem não formava a sociedade ele é fruto dela e subserviente do bem comum. O bem-estar dos não proprietários era defendido pelos proprietários em acordo já que a propriedade “(...) não é direito inalienável (...). (...) e deve funcionar para o bem publico” . Sendo assim, em sua teoria, os senhores de escravos são os responsáveis por proverem o bem a sociedade e dar a “proteção” necessária aos não proprietários dos meios de produção corroborando sua afirmativa antiliberal que promovia a disputa e o individualismo entre os homens. A escravidão trazia maior segurança ao trabalhador, seus valores não se centravam no lucro, era essa a imagem que o sul “vendia” acerca do regime. Todavia servia muito mais para manter a submissão, inferioridade, divisão de classe e a crença de uma elite de fazendeiros na tradição de um modelo reacionário que validava a sua existência. A crença sulista estava na compreensão da sociedade como sendo construída por fracos (escravos) que necessitavam da proteção dos fortes (elite de fazendeiros) e para o seu próprio bem-estar era dividida entre os possuidores de liberdade quem é destituído dela por sua fragilidade. Os senhores de escravos por necessidade de afirmação do seu ideário precisavam atuar no campo das idéias, entretanto para o seu principal representante a condução do mundo estava na questão social, na relação mais do que nas idéias era a experiência no modelo que mostrava a verdadeira diretriz da sociedade, não havendo como os senhores desvincularem- se do campo ideológico.

A crítica do Capitalismo
O embasamento sulista na defesa da escravidão na órbita em torno da crítica ao capitalismo, especificamente na crítica ao mercado livre e no aspecto moral da sociedade liberal. Elucidando esta questão tem-se a obra de Fitzhugh que exprime a “mediocridade” da sociedade capitalista burguesa, a escravidão sulista fora contemplada como o modo-de-produção ideal, possuía raízes, não era recente e “superficial” como o capitalismo liberal, sendo um sistema consolidado e estruturado em suas heranças. O capitalismo continha em si a macula a anomalia, o diferencial negativo. Ao apelo moral era imbuído demasiado fundamentalismo da crítica aos princípios da sociedade capitalista que vinculava o bem-estar à figura do indivíduo e sua força de trabalho. Já os escravistas julgavam à postura liberal como um meio de ascensão dos “ricos” sobre os pobres sem importar-se com o bem do outro. E era justamente nas falhas do sistema que consistiam os seus fundamentos.
O sul escravista quase pregava uma filosofia social, não atingiu essa máxima pelas contradições existentes em seu modelo, o crescimento da escravidão, por exemplo, foi fruto do desenvolvimento do capitalismo e a exigência de mão-de-obra. Apesar disso, a crítica permaneceu de modo veemente sobre a sociedade liberal e o comércio livre. A hegemonia do sul e a ratificação dos seus fundamentos dependiam da destruição do mercado livre. Havia, no entanto o reconhecimento dos avanços científicos da sociedade burguesa, seu apelo encontrava-se no declínio dos padrões morais. Segundo Genovese, para Fitzhugh admitir os benefícios da sociedade capitalista, seria como afirmar a sublevação da sociedade escravista para a liberal, por isso suas afirmações não negavam os progressos, mas criticava os demais aspectos como a moralidade. São afirmações de Genovese:
1) Os sistemas de trabalho pré-capitalistas eram, em geral, sadios, morais e bons.
2) O capitalismo libertou mentes e corpos humanos da servidão.
3) O capitalismo produziu avanços sem paralelos na economia mundial.
4) O capitalismo é um sistema imoral, ou melhor, amoral que condenou a grande maioria das pessoas do mundo à fome e à privação.
5) A escravidão devia, de alguma forma, ser restaurada em toda parte, de modo a restaurar a segurança, a ordem e a decência para todos os homens de boa vontade. O ataque ao comércio livre tinha como argumento o desenvolvimento dos valores corrompíveis gerados pelo capital, o dinheiro usado sem controle seria destrutível e um potente gerador de desigualdades, corrupção e opressão dos pobres, o que não aconteceria no regime escravista onde havia os princípios familiares que o limitavam ao essencial, a doutrina imbuída aos escravistas que poderiam ser comparáveis ao socialismo se não se tratasse do modo-de-produção escravo, baseado na exploração tanto quanto o liberalismo. Outro fator justificável de acordo com os pró-escravistas da crítica ao capitalismo, estava na apropriação de Teoria trabalhista do valor que desenvolvida por Fitzhugh ganhou ares de denúncia contra o mercantilismo (e a prática do empobreço teu- vizinho). Para o teórico dizer que o capitalismo gerava valor nas pessoas foi suficiente, para o fomento da teoria de superávit de Marx que consistia no lucro obtido pelo capitalista através da exploração da força de trabalho. Fitzhugh apropriou-se da teoria para corroborar seu fundamento social escravista, contudo se o superávit era o lucro oriundo da exploração do trabalho, não seria também a escravidão um sistema explorador? O meio encontrado para amenizar o papel da escravidão no superávit foi admitir que sua exploração dava-se de forma mais humanizada a alguns fora delegada a tarefa de conduzir os outros, o inadmissível era o individualismo, o egoísmo e a competição. Existia uma naturalidade na hierarquia social beneficiando o processo de construção ideológica da escravidão sobre o liberalismo. A Teoria pró-escravista considerou um capitalismo estático, subsidiando a defesa da escravidão sobre alicerces equivocados. Fitzhugh considerava o nível de subsistência gerado pela exploração do trabalho, fosse organicamente produzido pela sociedade liberal, quando de fato era um estado transitório indeterminado biologicamente, mas sim culturalmente. Apesar da má fundamentação de seus pensamentos expressava a posição de sua classe. O cunho moral sempre esteve latente na construção ideológica dos senhores de escravos: Economia e moralidade eram as engrenagens que movimentavam a Ideologia sulista. A moralidade ganhou roupagem religiosa e Deus passou a ser um coeficiente necessário a formação do ideário e dos senhores do sul. Deus havia dado-lhes sabedoria para que gerissem a sociedade construindo as instituições e a política na defesa dos fracos. A competição só servia para instaurar a animosidade entre os indivíduos, o que tinham a oferecer de bom os burgueses liberais? Contestava a opinião sulista, que contribuição traria aos laços familiares e patriarcais que moviam as relações nas fazendas? Na Ideologia que se criara fazia sentido a prática de hábitos que valorizassem a família e a moral, tanto que no sul, segundo Fitzhugh, o grande parentesco era admitido até o 5º grau estendendo ao seio da família e sua contribuição como ferramenta de alienação ideológica. A cristandade desempenhou um papel de articulação e afirmação na defesa pró-escravista. “O senhor abraça a moralidade cristã naturalmente porque seu papel na vida é essencial o de pai e protetor” (Genovese, 1979, p.200). A escravidão assim como a religião assume uma função moralizante. Só ela seria capaz de exterminar com o desespero da classe dos trabalhadores. Apesar da tradição Protestante era bem verdade que os senhores sulistas precisavam do tradicionalismo do catolicismo. A reforma protestante por mais que fosse admirada em termos de praticidade e reação social contra o movimento católico – analogia ao sul e seu movimento de afirmação – não exprimia o reacionismo e mais do que isto representava a burguesia. O Sul tão atribulado a tradição via-se imobilizada na herança protestante inglesa.

Defesa da Escravidão
A família, o patriarcalismo e o casamento encontravam-se na base da defesa de uma solida estrutura familiar que estava intrinsecamente relacionada à filosofia escravocrata e a condução do modelo sulista. Os escravos eram a “família” preta da fazenda, a escravidão levava a proteção do pai aos filhos. O patriarca assumia responsabilidades atuantes no controle rígido da disciplina. Contudo, os elementos da Autarquia não estavam somente na ideologia seus alcances pretendiam adentrar na esfera governamental.
O teórico sulista Fitzhugh criticava a estagnação econômica na agricultura e expunha a necessidade de modernização que alavancararia a industrialização e o desenvolvimento de cidades no sul. Para ele era preciso que a urbanização e o crescimento das indústrias fossem processos concomitantes para evitar a dependência ao comércio externo criando condições de escoamento interno para os produtos, desta forma o mercado estaria protegido (Autarquia). A escravidão nesse contexto passaria por uma adaptação as novas exigências da sociedade sulista. Para tanto, era preciso expurgar da sociedade sulista as mazelas do mercado livre; isto ocorreria através da autarquia familiar. Os princípios da fazenda seriam incorporados as práticas administrativas. A primogenitura e a ocupação dos cargos políticos administrativos possibilitariam a reestruturação social. A demasiada concentração de poder nas mãos dos proprietários geraria problemas, a resolução deste cisma, segundo o autor, estava na limitação no tamanho das propriedades dos senhores sulistas que efetivamente garantiriam o equilíbrio de força entre os proprietários e evitariam o distanciamento na relação senhor-escravo. Transformar a mentalidade da aristocracia fazia-se primordial para a manutenção do regime e descentralizar o cosmopolitismo de forma a garantir mais autonomia política. Os brancos não proprietários contavam nessa formação ideológica como mão-de-obra especializada cuja responsabilidade seria o trato com os escravos. O que se propunha não passava de uma escravidão branca velada, pois teriam o título de liberdade consigo, mas eram dependentes dos senhores de escravos. As contradições do capitalismo levariam ao colapso de suas instituições e a luta de classe demonstrava esse gérmen. A mentalidade escravista, apesar das semelhanças em alguns aspectos como o socialismo divergia em outros, sua tomada de consciência passava pela ruptura de fundamentos primordiais à ideologia sulista. “O perigo, como ele o viu, era a reação contra o capitalismo estava esguichando furiosamente em todas as direções e produzindo uma psicologia de reforma decidida a derrubar tudo na vida civilizada religião, família, governo, lei e a escravidão, naturalmente” (Genovese, 1979, p. 235). A agitação social promovida pelas contradições do liberalismo burguês seria contornada com o respaldo dado as massas e o controle ao capitalismo, essas proposições eram a utopia de uma aliança para a manutenção de um sistema, sendo necessária a aniquilação do comercio livre e do mercado competidor.

Conclusão
Os pensamentos dos senhores do sul impregnaram-se de um racismo que eles mesmos não se deram conta. A afirmação de que a escravidão era essencialmente boa à sociedade promovendo a formação de uma casta branca que fundamentada em valores familiares, protegia os negros contra as práticas predatórias da burguesia continham em si o embrião da inferioridade racial, lançando a base ao racismo e a criação de duas classes. A aristocracia branca e os negros escravos que corroboravam a existência de uma classe escravocrata sulista, o posicionamento superior de um sobre o outro. Esta barreira foi a manutenção de uma elite fazendeira que levou ao ostracismo e sua falta de mobilidade. A sociedade estagnou-se e não viabilizou formas de manter o regime dentro de uma conjuntura propriamente adequada a sua sobrevivência. A incompatibilidade na convivência entre a sociedade escravista e o capitalismo liberal marcou a ideologia pró-escravidão decisivamente, tanto que os benefícios do regime e a autarquia foram efetivamente retratados por esses homens como prerrogativa a sua consolidação, talvez isso tenha significado a sua própria destruição na defesa de um modo-de-produção completamente contrário ao panorama que configurava economicamente ”Enquanto o sul significou uma ordem social arcaica (...), (...) e, enquanto não pôde de qualquer modo libertar-se da influência(...) (...) ele teve que continuar suspenso e estéril”.

Análise do texto: O Mundo dos senhores de escravos:dois ensaios de interpretação.Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979. Autor GENOVESE, Eugene D.

sábado, 25 de abril de 2009

A COMUNA DE PARIS


A comuna, o governo da cidade

Em Paris 1871, finalmente acontece à revolução por muito tempo esperada, a revolução do povo, a cidade dando-se suas próprias autoridades comunais. Esse governo, feito pelo povo e para o povo, até então desejo de todo o trabalhador durou apenas 62 dias. Comuna seria o “governo dos produtores”, a “república do trabalhador”. O conceito de “comuna” significava, então, uma pequena unidade de comando que coordenava o trabalho social em todas as instâncias possíveis. Em um primeiro momento o comitê central, não conseguiu encontrar uma unanimidade para acertar o rumo dos acontecimentos. No entanto depois de muito desentendimento finalmente foi costurado um acordo que permitia as eleições, que foram mais freqüentadas que as realizadas no mês anterior para a eleição da assembléia geral; são eleitos membros de várias correntes; Blanquistas, Jacobinos, internacionalistas, republicanos; cada um dos eleitos está intimamente ligado aos episódios dos agitados meses anteriores.
A partir do momento de proclamação da comuna o exército francês sobre as ordens da Assembléia, agora instalada em Versalhes se reorganiza para voltar a Paris e retomar o comando da cidade e esmagar a revolução. Em um primeiro confronto entre as forças opostas observa-se um quadro completo para entender como Versalhes e Paris encaravam a guerra. Apesar dos federados possuírem uma força militar numerosa e bem armada, não havia idéias claras de comando. Para Versalhes, no entanto, as hipóteses de guerra eram muito fáceis de formular. Tratava-se de uma guerra “Sem trégua e sem piedade”, onde as regras clássicas de guerra não se aplicavam,este era um confronto entre valores sociais e ideológicos, definitivamente contrapostos.
Diante do quadro caótico que se instalava durante o período de enfrentamento uma carta de Rossel com seu pedido de renúncia revela a falta de linha político militar da comuna: “Não posso seguir assumindo responsabilidades onde todos deliberam e ninguém obedece; as vacilações do comitê central da guarda nacional freiam a administração; As preocupações mesquinhas dos chefes da legião paralisam a mobilização das tropas.” E finalmente termina : “Eu me retiro e tenho a honra de solicitar uma cela em Mazas.” (p.74)
Estrutura do governo
O governo comunal estava organizado com representantes dos vinte e cinco subdistritos escolhidos a razão de um para a cada 25 mil habitantes de Paris. A comuna é um dragão executivo e legislativo ao mesmo tempo, onde os poderes não estão “divididos”, mas sim, “descentralizados”. Seu aspecto formal é o mesmo que apresenta qualquer prefeitura moderada, mas, acima dela nada existe. O simples conceito de comuna era suficientemente forte e atrativo para abranger uma interpretação política e social e unificá-las. A comuna de Paris, unidade política para desenvolver a “república universal”, deveria, entretanto governar uma complexa cidade durante o transcurso de uma guerra. Tinha que tomar as funções do estado e traduzi-las para a perspectiva do pacto comunal, além de encarregar-se dos serviços municipais básicos. Por outro lado, estimulava também uma descentralização em seu primeiro seio.
Os decretos, instrumentos pelos quais governavam a comuna, permitiam identificar o roteiro governativo que a comuna se propôs e as tendências que se tivessem desenvolvido se o pano de fundo de todas as medidas não fosse a guerra em curso, o que fazia com que todas as decisões acabassem relacionadas com as necessidades bélicas.
Medidas tomadas pela comuna:
· Reorganização do poder administrativo torna os estrangeiros elegíveis.
· Reformulação das relações de trabalho.
· Poder arbitral da “comissão de trabalho, indústria e comércio.”
· Reformas culturais, relacionadas com a solidariedade social, de economia de guerra vinculadas à organização do trabalho e da propriedade social.
· Medidas de guerra, objetivos ideológicos e bélicos simbólicos.
No que se refere aos decretos e resoluções da comuna, a ação simbólica e a ação militar acabam se confundindo em uma única coisa. Houve por parte da comuna um programa explícito que reunia todas essas decisões, decretos, projetos e ações em que a guerra expressava-se também por alfinetações de fundo, conteúdo ideológico. Em todos estes documentos e fatos vêem-se claramente o traço irreligioso, igualitarista, universalista, racionalista, laico, e apelo à ciência. Cabe ressaltar que nada se expropriou nem se confiscou o próprio Banco da França foi administrado em termos tradicionais. A comuna pegou apenas o dinheiro que lhes pertencia enquanto o banco continuou com suas operações normais, com suas sucursais.
Neste confronto existem episódios que nos remetem a analisar quão bela e singular é uma revolução que se em um momento envia balões a céu aberto com propaganda para que camponeses tomassem conhecimentos do que estava acontecendo em Paris, esquecendo-se do pequeno detalhe de que os camponeses em sua grande maioria eram analfabetos, por outro lado escreve em um documento que: ”Paris fez um pacto com a morte, por trás de seus fortes ela tem muros; por trás de seus muros barricadas; por trás das barricadas, as casas...” (p.87), neste trecho está representado o pulso real da comuna, da sua idéia de guerra popular e de resistência, a comuna foi obra da guarda nacional convertida em lar de todas as ideologias revolucionárias daquele momento histórico.
Os derradeiros dias
No domingo dia 21 de maio, 62 dias depois de iniciado o conflito, os Versalheses entram em Paris uma cidade que se mostra despreparada e confiante. Como exemplo de despreparo dos comandantes da comuna ressalta-se que no momento em que as tropas Versalhesas entram em Paris, a comissão da comuna encontrava-se discutindo a conveniência ou não da intervenção do estado nas artes e na cultura. O último delegado de guerra da comuna, o jacobino Delescluze Lança um manifesto chamando à “Guerra revolucionária”, este chamado justificava-se pelo pensamento de que: A razão política é mais profunda quando se desvencilha de carcaças e ossaturas organizativas. A revolução estava sendo derrotada. Os combates nas ruas de Paris duraram sete dias; O comitê de Salut Publique afixa um proclama dirigido ao exército de Versalhes, estes dizeres mostram o desespero diante da derrota eminente: “Se atirardes contra o povo, vossos filhos não vos perdoarão (...) Vocês também são proletários” (p.89), isto de nada adiantou, haja vista o exército regular já sentir o gosto da vitória.
No segundo dia de combate metade de Paris está nas mãos de Versalhes. Os incêndios à noite iluminam toda a cidade. As canhoneiras da comuna já nada podem fazer, os Versalheses fuzilam sistematicamente os prisioneiros da guarda nacional. Neste momento alguns oficiais da comuna despojam-se da farda azul e das belas barbas que, semanas antes, eram orgulho revolucionário. É que os Versalheses fuzilavam por: semelhança, cheiro de pólvora, sinais de ter pegado um fuzil; enfim, por qualquer pretexto. Neste momento também o exército da comuna através de alguns oficiais resolve começar a fuzilar reféns. A comuna não tem um discurso para sua própria derrota. Os combates são desiguais, um exército poderoso muito bem armado, contra um punhado de soldados dispersos, sem comando, sem esperanças, sem saber o que acontece no quarteirão vizinho. Sábado 27 de Maio, a cidade esta envolta em fumaça, no cemitério de Pène Lachaise, são fuzilados os últimos sobreviventes da comuna contra um dos muros interiores, é o “muro dos federados”, ao meio dia do domingo, dia 28 caem os últimos grupos federados que resistem. Imediatamente começam os fuzilamentos sumários. Vinte mil soldados e simpatizantes da comuna são mortos desta forma. Milhares de pessoas são internadas em campos de concentração em Versalhes. A maioria delas e destinada às cortes marcias e finalmente a deportação em nova Caledônia, uma ilha francesa na Melanésia. Após o término dos combates uma frase atribuída ao general Gallifet resume a forma como os legalistas encarnaram o verdadeiro extermínio em massa promovido ao final dos combates: “Acabamos com qualquer possibilidade de insurreição na França por muitos anos” (p.93).Mesmo que essa frase não tenha sido pronunciada, a política adotada pelo “Partido da ordem” foi de extermínio e massacre, contra os partidários da comuna.
Observando os fatos pode-se concluir que os integrantes da comuna não cometeram excessos sequer comparáveis aos cometidos pelos versalheses. A comuna era uma revolução que não conhecia seus próprios limites e combinava diversos estágios temáticos, um modesto municipalismo com a organização federativa de todo o continente, a autonomia na gestão social com o libertário iluminista. Oito anos após o fim dos combates, anistia restrita, que depois se transformará em uma anistia total para os communards exilados. Estes vão voltando aos poucos, uns em silêncio, outros escrevendo livros.
Os “Assaltantes do Céu”
Os “Assaltantes do céu”, expressão cunhada por Marx, que a empregava para designar os participantes dos movimentos que contavam com muita energia revolucionária, mais com pouca propensão para análise das condições objetivas da sociedade. Buscavam os Communards inspiração no efeito de grandes guerreiros, para lutar contra todos que não fossem o que se pode chamar de “Homem produtor”, e nesta luta estavam dispostos a tudo.
Resumo: A comuna de Paris “Os assaltantes do céu”
A História Moderna registra algumas experiências de regimes comunais, mas sem dúvida a que mereceu maior destaque foi a Comuna de Paris. Reveste-se ainda de mais importância por ter sido o primeiro governo operário da história.
Durante a guerra Franco-Prussiana, as províncias francesas elegeram para Assembléia Nacional uma maioria de deputados monarquistas francamente favoráveis à capitulação ante a Prússia. A população opunha-se a essa política.
A Comuna de Paris adotou uma política de caráter socialista, baseada nos princípios da primeira internacional. Os Communards, assaltantes do céu, ousaram construir um governo irrestrita e radicalmente democrático, estabeleceram uma democracia direta sem subterfúgios, e este exemplo não podia ser tolerado. A organização da comuna era extraordinariamente simples: Todos os cargos públicos eram eletivos e revogáveis, estavam submetidos ao sufrágio dos cidadãos, inclusive os conselheiros municipais, que eram responsáveis perante seus eleitores e poderiam ter seus mandatos revogados a qualquer momento por esses mesmos eleitores. O salário dos servidores públicos não poderia ultrapassar os dos operários em suas respectivas atividades. Nenhuma restrição foi imposta aos estrangeiros residentes.
O tempo de duração da comuna foi de 62 dias, seu esmagamento pelas forças legalistas, comandadas por Thiers, revestiu-se de extrema crueldade, foram executados cerca de 20.000 Communards. A verdadeira aniquilação dos communards deveu-se não somente ao fato da revolta propriamente dita, mais acima de tudo foi um exemplo para que outras cidades não tivessem idéias liberais semelhantes que não podiam ser toleradas.
O legado da Comuna
Marx deixou cunhada uma interpretação onde os feitos da Comuna ganham uma autonomia quase completa com relação aos seus promotores originais, oferece uma história que suas mais evidentes relações com os partidos e agrupamentos ativos na França nas décadas anteriores. É bem provável que esta omissão de Marx justifique-se no fato de que a comuna poderia ser a “forma final descoberta” para desenvolver a luta de classes, no entanto Marx era ciente de que muitos dos envolvidos buscavam inspiração na revolução de 1789, e a isto Marx curvara-se, tanto que tempos antes do início da revolução este já afirmava que: ”Os operários franceses não devem deixar-se levar pelas recordações nacionais de 1792” (p.99). Após o final da comuna quando Marx e Engels analisam os rumos da insurreição e reescrevem um novo prólogo para o manifesto comunista, estes afirmam: “Depois da comuna não basta que a classe operária se apodere da máquina estatal para fazê-la servir aos seus próprios fins” (p.100). Se Paris não fora o “melhor lugar do mundo” para se estar durante a comuna ao menos serviu para indicar rumos, experimental propostas e finalmente sepultar antigas ingenuidades ideológicas. Serve a experiência da comuna para análise e interpretação de vários “modelos” tais como: Abolição da máquina estatal, controle social da produção, duplo poder, timidez diante do capital financeiro, preferência da ação político-militar além de Marx e Engels vários são os autores que escrevem analisando as conseqüências da comuna de Paris, a vista de cada um foi, hora um movimento necessário, hora um movimento inevitável, e o aprendizado do campo de batalha serviu para análise e reflexão das capacidades reais do movimento operário.
Análise Crítica
Ao final da leitura do texto de Horácio Gonzáles sobre a Comuna de Paris, fica-se sem qualquer dúvida maravilhado com a rica experiência que nos ofereceram os communards, dando-nos a grande possibilidade de observar em uma cidade de vulto a experiência aguardada por muitos durante muito tempo. Repensar a comuna de Paris, nos leva ao questionamento de como algo por tanto tempo idealizado que parecia a “forma ideal de governo”, quando colocado na prática dura poucos dias. Mesmo o próprio Marx em suas observações vendo aproximar este provável acontecimento, estava ciente de que não bastaria aos trabalhadores tomar para si o comando da cidade, era preciso estar preparado para isto. O governo realmente popular que se instala na prefeitura de Paris não tem precedentes históricos, no entanto, este governo proletário dura apenas 62 dias, rico em experiência a serem observadas e analisadas, no entanto, mostra diversas falhas na concepção teórica no governo dos trabalhadores.
E durante a leitura do texto, por diversas passagens descritas observamos a falta de preparo dos operários no momento que tiveram oportunidade de exercer os destinos da cidade. O comando da comuna era feito uma verdadeira “Colcha de retalhos”. Muitos entre os Communards eram homens vindos das mais diversas correntes ideológicas, que efetivamente, não chegaram nunca a um entendimento total, e isto facilitou o descontrole das ações de enfrentamento ao governo de Versalhes, culminando assim em um fim com tão pouco tempo de existência.
Nas eleições municipais são eleitos dirigentes com as mais variadas tendências teóricas, o governo mostra-se tão descentralizado que decisões são tomadas em um determinado setor, e os outros setores sequer tomam conhecimento. Em vários episódios o governo mostra-se ingênuo em suas decisões, ao contrario do governo de Versalhes, organizado militarmente com uma clara intenção de como conduzir a guerra contra os communards.
Restou da comuna o fato de que pela primeira vez era colocado em prática em vasto campo de análise, para que fossem repensados valores e posições ideológicas por tanto tempo propagadas.
Celso de Almeida.
*Foto: Comuna de Paris