A história mostra-nos o mais largo horizonte da humanidade, oferece-nos os conteúdos tradicionais que fundamentam a nossa vida, indica-nos os critérios para avaliação do presente, liberta-nos da inconsciente ligação à nossa época e ensina-nos a ver o homem nas suas mais elevadas possibilidades e nas suas realizações imperceptíveis.(...)A experiência do presente compreende-se melhor reflectida no espelho da história. Karl Jaspers

sexta-feira, 31 de julho de 2009

A UNIVERSIDADE E A FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS PARA O SÉCULO XXI

Os caminhos para a excelência pessoal e profissional passam, necessariamente pela educação. É especialmente nos ambientes universitários, que os sujeitos despertam suas consciências para a necessidade de se tornarem competentes, com o objetivo de se diferenciarem enquanto profissionais. Percebe-se aí, um caminho fértil para os educadores contribuírem, de modo relevante, para que os futuros profissionais capacitem-se na arte do saber, do saber fazer, do saber ser e conviver (DELORS, 1996).

Este artigo aborda a temática do ensino superior, alertando para a importância de se planejar e organizar um currículo que complete, no mesmo grau de importância, conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais, visando à formação de profissionais competentes, capazes de atender às exigências do seu entorno social.

O ensino superior tem figurado, atualmente, como tema polêmico e vem suscitando uma série de questionamentos e reflexões sobre o papel da universidade na formação de profissionais habilitados a lidar com a complexidade dos desafios que emergem, na sociedade mutante deste novo século. O mercado de trabalho vem mostrando-se, cada vez mais exigente, em qualquer área de atuação. Não basta ter conhecimentos científicos elaborados e saber aplicá-los, de modo comum, do jeito que todo mundo faz. É preciso ir além, demonstrar criatividade para inventar um jeito próprio, fugir do que é tradicional. Essa é uma aprendizagem que a universidade precisa desafiar seus acadêmicos a construir. Para isso, precisará vencer alguns limites, alargar horizontes e passar do ensino marcadamente teórico, acadêmico, para o ensino e a aprendizagem de conteúdos procedimentais e atitudinais.

Na concepção de Zabala (1999) a aprendizagem de conteúdos procedimentais implica em aprender a fazer, na prática, aquilo que assimilou na teoria. Bem se sabe que o mercado de trabalho, as organizações que geram empregabilidade procuram um perfil de profissional, que, seguramente, não é aquele que apresenta o maior numero de títulos. É o que consegue ser capaz de demonstrar o que sabe e, em igual grau de importância, mostrar o que sabe fazer com os conhecimentos construídos, bem como, mostrar as competências do ser, as vivencias que lhe são proporcionadas no ambiente da organização.

Seguindo essa linha de raciocínio, indaguemo-nos: - Como estão sendo trabalhados os conteúdos procedimentais e atitudinais nas nossas universidades? Certamente os conteúdos conceituais estão sendo muito bem elaborados e ensinados. Mas isso, somente, não capacita os estudantes a exercerem a profissão escolhida, com chances de sucesso.

Demo (1999), ao discorrer sobre os desafios modernos da educação, questiona, de forma contundente, o papel da universidade. Na sua concepção, a universidade não pode se constituir num campus repleto de salas de aula, mas num lugar onde se fomenta a produção própria qualitativa, o “saber-fazer” e não o seguimento de caminhos desvendados e trilhados por outros, como mera copia da produção alheia. Se é da pratica que emerge a teoria, é com ela que os estudantes precisam ser desafiados a estabelecer vínculos concretos para a aprenderem a fazer.

A realidade difere um pouco de como se apresenta na teoria. Ela nos surpreende com seus imprevistos, suas peculiaridades, já que resulta de um processo vivo, dinâmico. Nenhum padrão se adapta nesses contextos. É por isso que nossos estudantes precisam fazer vivencias que lhes permitam descobrir sua potencialidade e seu grau de limitação, podendo assim, ir aparando arestas, aperfeiçoando métodos, processos, amadurecendo raciocínios, melhorando concepções sobre padrões valorativos e ir transformando comportamentos e atitudes. Isso é aprender.

Demo (1999) sinaliza que educação deve significar, na sua essência, emancipação, ou seja, a possibilidade de se aprender a fazer com autonomia e condena aqueles professores que só socializam o conhecimento, passando informações sobre a matéria, denominando-os de “auleiros”. A crítica de Demo mostra-se mais aguda, quando anuncia que: “Quem permanece no mero aprender, não sai da mediocridade, fazendo parte da sucata” (ibidem, p.131).

O que o autor nos traz, como ponto de reflexão, é que a vida acadêmica precisa ultrapassar o âmbito do conhecimento teórico. Alem da qualidade formal, técnica, igualmente imprescindível, é que nossos acadêmicos aprendam, no exercício da pratica, como ser um profissional de excelência, preparando se para lidar com exigências de uma sociedade em continuo e irreversível processo de mudança.

Demo define produtividade como a capacidade de pensar e intervir na realidade e alerta para o fato de que a universidade precisa preparar seus estudantes para consolidar essa competência nos espaços que vem urgindo no mundo moderno; ressalta que a formação desses sujeitos deve contemplar “visão e ação sempre renovadas em termos de inovação cientifica e tecnológica, nas quais, capacidade laboratorial, experimental, é crucial” (1999 p.132).

Há que se refletir, igualmente, sobre a importância de se trabalhar com conteúdos atitudinais. Esses, não são conteúdo só para educação básica, como se pensa comumente. O processo de amadurecimento e evolução do ser humano não obedece a ciclos específicos; ele é permanente, gradativo e acontece por meio da educação. Como formar bons profissionais se não cuidarmos da formação das suas atitudes? Não há como. É fazer trabalho pela metade.

Se a universidade almeja realizar um processo ensino-aprendizagem de relevância para o contexto social onde se insere, os educadores precisam desafiar-se a pensar formas de trabalhar conteúdos atitudinais. Esses futuros profissionais precisam aprender que conviver num ambiente de trabalho implica em respeito a regras, atitudes de cooperação e não de competição, em disciplinar a vontade para fazer escolhas que só a médio ou longo prazo lhes trarão retornos satisfatórios; precisam aprender a desenvolver inteligência emocional através do autoconhecimento, para construírem uma auto-estima saudável e desenvolver resiliência, para superar seus próprios limites diante de frustrações e de situações-problema que terão de experimentar, inevitavelmente, no curso da vida. Para ser educador, é preciso entender de gente, buscar nos estudos da psicologia, fundamentos para saber lidar com o comportamento humano; pesquisar e descobrir dinâmicas, textos, músicas, documentários, filmes e outros meios que sirvam como ponto de partida para a discussão, reflexão, formação de conceitos e de atitudes em relação a estes conteúdos, tão valorizados na composição de um perfilo de profissional para a propriedade do século XXI.

Conforme sugere Oliveira (1997, p.17) “Devemos analisar as implicações de uma visão global da pessoa humana em seus aspectos racionais, afetivos e emocionais, pois precisamos nos livrar dos paradigmas despersonalizantes e puramente racionalistas pelos quais a pessoa humana não é tratada em sua globalidade, mais aparece como peça de uma engrenagem”.

A discussão sustentada ate aqui pretende servir como uma proposta de reflexão, de análise, de possíveis planos coletivos e individuais Ed ação, em âmbito de universidade. Todos precisam chamar, para si, a responsabilidade de contribuir na formação de profissionais competentes no domínio do saber, do saber-fazer e do saber-ser junto aos outros, abrindo possibilidades para uma convivência enriquecedora, de trocas salutares, inteligentes, que contribuam para o crescimento das pessoas e das organizações.

Cabe um chamamento aos estudantes da academia. É importante lembrar-lhes que cada escolha implica numa renúncia. E, a escolha por ser um profissional que fará a diferença no mercado de trabalho, implica em empreender esforço próprio, disciplinar a vontade, não ficar à espera que milagres aconteçam tão-pouco “pegar carona” na vida de outros, na dependência eterna da famigerada “cola”, ou pedindo para que acrescentem seu nome ao trabalho do qual sequer conhece o conteúdo. Dignidade, respeito pessoal e profissional constrói-se desde o início da formação. Luft (2004, p.107) defende uma tese interessante: “Acredito que viver é elaborar, é criar: são inevitáveis as fatalidades, doença e morte. O resto – que é todo o vasto interior e exterior – eu mesma construo. Sou dona do meu destino. É mais cômodo queixar-me da sorte em lugar de rever minhas escolhas e melhorar meus projetos”.

É comum alguns estudantes encontrarem inúmeras justificativas para não fazerem, bem feito, aquilo que deles se exige. Essa postura não soma. Subtrai. Profissionais excelentes, que se destacam que são referencias na sociedade, não se construíram, assim, por acaso ou por influencia de qualquer traço de herança genética. Mas porque lutaram contra seu próprio desanimo, enfrentaram seus medos, construíram crença na sua capacidade, no poder divino que habita em seu interior e foram à luta, sem poupar-se, sem terem pena de si mesmos. Vale refletir sobre o alerta de Luft (ibidem, p.39) que vem reforçar esta reflexão: “Não é só culpa dos outros se ficamos truncados. Em cada estágio podermos colorir algum traço, algum ponto, alguma cor no projeto de quem pretendemos ser”.

Eis o importante desafio que se Poe diante de educadores, de acadêmicos e da universidade, como um todo: empreender esforços e reunir o máximo de entusiasmo, de desejo interior para saber mais, fazer melhor e trabalhar para fazer aflorar todas as potencialidades do ser, educando-se e colaborando na educação dos outros para que todos se formem profissionais capazes de fazer a diferença, tornarem-se referencia e fazerem-se necessários, imprescindíveis onde quer que atuem.

“Há homens que lutam um dia e são bons. Há outros que lutam um ano e são melhores. Há os que lutam muitos anos e são muito bons. Mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis.” (Bertold Brecht)

Referências

DELORS, Jacques et al. Educação, um tesouro a descobrir. Relatório da comissão internacional sobre educação para o século XXI. Lisboa: Asa, 1999.

DEMO, Pedro. Desafios modernos da educação. 8. Ed. Petrópolis: Vozes, 1999.

LUFT, Lya. Perdas e ganhos. 19. Ed. Rio de Janeiro: Record, 2004.

ZABALA, Antoni. Como trabalhar os conteúdos procedimentais em aula. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.

Resumo

Autora: Marisa Crivelaro da Silva

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