A história mostra-nos o mais largo horizonte da humanidade, oferece-nos os conteúdos tradicionais que fundamentam a nossa vida, indica-nos os critérios para avaliação do presente, liberta-nos da inconsciente ligação à nossa época e ensina-nos a ver o homem nas suas mais elevadas possibilidades e nas suas realizações imperceptíveis.(...)A experiência do presente compreende-se melhor reflectida no espelho da história. Karl Jaspers

sexta-feira, 16 de maio de 2008

O Socialismo Soviético




As Origens

No texto, “O socialismo soviético”, é evidenciada a construção do socialismo na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas durante a década de 1930, com transformações econômicas, sociais, políticas e culturais. Apesar de consolidado na década de 30 o socialismo é um processo que tem suas raízes nos anos de 1918 a 1920 quando a URSS passava por uma guerra civil e para suprir o abastecimento de suas cidades e soldados, o governo bolchevista requisita alimentos produzidos pelos camponeses, política essa que fica conhecida mais tarde como “comunismo de guerra”. A revolução finda com o triunfo do governo revolucionário, que tinha agora a dura missão de dar dirigibilidade ao país, no entanto a situação na era caótica, o país se encontrava desmantelado, desconexo e faminto; transportes desordenados, desabastecimento, desemprego e inflação descontrolada do rublo e rebeliões camponesas. A União Soviética era agora um país arcaico, isolado do mundo, enfrentava rebeliões de camponeses, que se sentiam traídos pelo governo; os operários industriais, base social do regime, encontravam-se desfalcados de seus membros mais idealistas, mortos durante a guerra. O governo lutava para convencer o povo a suportar tamanho sacrifício e apesar da degradação tentava convencer a população de que a nação soviética era uma civilização superior. Diante desse quadro caótico pelo qual passava a União Soviética, Lênin propõe em 1921 a NEP (Nova política econômica), que visava superar a crise implantada pelo comunismo de guerra. A nova política econômica é aceita com descontentamento pelo partido comunista da união soviética.

A Construção do socialismo

Após a morte de Lênin surgiram duas propostas dentro do PCUS, uma seria a aliança entre funcionários e camponeses, que necessitariam ser convencidos, do benefício da coletivização da terra; o enriquecimento da população rural alavancaria o crescimento industrial que assumiria ritmo ascendente para atender a demanda de camponeses por bens de consumo. Por esse projeto o socialismo seria construído lentamente. A segunda proposta visava investir na indústria pesada que fosse custeada pelo campo com cobrança de tributos aos camponeses, “Acumulação socialista primitiva, à custa dos camponeses” (pág.84). Na guerra das palavras os membros do PCUS são convencidos de que a segunda proposta é aquela que deve ser colocada em prática, afinal o sacrifício estaria a cargo dos camponeses, classe tida como reacionária e pouco confiável cujo enriquecimento não poderia ser aceito, nem sequer supor um crescimento lento rumo ao socialismo. A idéia era mudar o mundo e isso exige rapidez e agilidade. A política agrícola implantada vai gerar uma crise originada pela insatisfação por parte dos camponeses que se recusavam a vender seus produtos pela taxa fixada pelo governo achando que os valores cobrados deveriam ser maiores; o que vai provocar um racionamento de alimentos em 1928. Essa crise vai gerar uma reforma política econômica defendida por um habilidoso político chamado Joseph Vissarionovich Djugachvili, conhecido como, Stalin, que percebendo o desejo dos militantes bolchevistas apóia o socialismo convencendo a maioria dos membros do partido comunista da possibilidade de uma vitória do socialismo na URSS independente da ocorrência ou não, de levantes operários no restante da Europa. Com a derrota de seus adversários políticos e o apoio do comitê central do PCUS são iniciadas em abril de 1929 com a aprovação do plano qüinqüenal a coletivização do campo e a industrialização acelerada na URSS liderados por Stalin. Tem início em Janeiro de 1930 a primeira etapa da segunda revolução russa com a coletivização do campo. Stalin não se importava com os custos humanos e naturais que seriam necessários para a industrialização do país, para ele a reação de desespero dos camponeses para conservar suas terras foi motivo para mobilizar milhares de agentes para liquidar os Kulaks, camponeses que tinham no máximo 10 hectares de terra, uns poucos animais e mão-de-obra familiar acrescida de um ou dois trabalhadores assalariados cujo total não ultrapassava 10 pessoas, para Stalin os Kulaks eram uma classe exploradora, “último bastião do capitalismo”. (pág85)
Operários e militantes do PCUS, jovens do Komsomol, a juventude comunista, e a GPU, Polícia política, podiam ser encontrados facilmente no campo para mostrar como a coletivização era espontânea. Os camponeses por sua vez, viam-se cercados por tropas armadas e sem ter melhor escolha se rendiam a coletivização, porém antes de entregar a terra ao governo a arruinavam o máximo que podiam destruindo as ferramentas e matando os animais. Os que se rejeitavam seguir a coletivização eram mortos ou banidos para regiões distantes. Não tendo outra escolha, os camponeses se viram obrigados a aderir as Kolkhozes, fazendas coletivas, descobrindo assim um novo tipo de escravidão, a estatal, onde os mesmos tinham todos os seus bens passados para a fazenda que tinha uma direção indicada pelo partido comunista, e estes sendo obrigados a vender seus produtos ao governo por preços baixos. Caso a meta de produção fixada não fosse atingida os membros da fazenda tornavam-se suspeitos de sabotagem. Segundo Daniel Aarão Reis Filho, a coletivação foi “um furacão de morte e de destruição. Uma orgia de sangue e de sofrimento”. (pág. 86)
Contrário ao setor agrícola estava à industrialização acelerada que transformou um país arcaico e agrário em um país moderno e industrializado. O crescimento econômico soviético colocou a URSS no final dos anos 30 entre as grandes potências mundiais da época com uma economia industrial capaz de produzir aço, máquinas, turbinas, petróleo, tratores, tanques de guerra e aviões a partir de seus próprios recursos. A economia soviética cresceu mais do que todos os outros países, com exceção do Japão. A industrialização trouxe várias vantagens como a melhora na qualidade de vida da população, a abertura de milhões de vagas de empregos, a melhora na saúde e na educação e os novos valores sociais implantados pelo estado que asseguravam cada vez mais o fascínio popular e político de Stalin. Milhões de soviéticos morreram para financiar as obras que eram necessárias para a industrialização, o governo chegou ao ponto de vender trigo para o ocidente mesmo com a população faminta e importar equipamentos e técnicos especializados, falta de bens de consumo, eram consideradas como inevitáveis pelos soviéticos, as perseguições políticas tinham por objetivo somente aniquilar os inimigos do povo e do próprio socialismo; o sistema de GULAG (Administração estatal dos campos), verdadeiros campos de concentração tinham explicações convincentes como explicava Stalin: a abolição das classes exigia a intensificação da luta entre as próprias classes.

O Culto a Figura de Stalin

Na comemoração de seu qüinquagésimo aniversário o líder soviético recebe a primeira manifestação pública para homenagear sua personalidade, Stalin deixaria de ser chamado de Khaziän (patrão, dono) para ser chamado de Vojd (Guia) da nação. Começa então a pronunciar-se uma locução clássica: “Stalin é o Lênin de hoje”; é um líder vivo e que compreende perfeitamente as necessidades do povo e do partido, apresentadas pelo próprio Lenin, considerado um líder genial. O Pravda (Jornal do PCUS) começou a homenagear o líder soviético diariamente. Stalin começa a receber epítetos como “Gênio”, “Corifeu das artes e ciências”, “Melhor amigo das crianças”, “Pai dos povos”, “Guia do proletariado mundial” e muitos outros (pág.91). Em seu Septuagésimo aniversário o número de cartas que chegaram ao Pravda foi tão grande que anos mais tarde ainda poder-se-iam lê-las em uma coluna criada no jornal especialmente para o evento. De cada fábrica, mina de carvão, Kolkhoz, sindicato, escola, ou célula partidária chegava uma lembrança para Stalin, segundo Deutscher o museu da revolução, em Moscou, tornou-se um local de exposição dos presentes enviados ao líder. Apesar de ser venerado pelo povo, Stalin não era muito carismático, vivia trancado no Kremlin e dificilmente aparecia em público; quando aparecia tinha breve contato com os soviéticos ficando à distância, não tinha eloqüência em sua fala que era e monótona, por isto sua voz era substituída pela voz de um locutor de voz rica e profunda que durante a segunda guerra lia as ordens do dia e falava pelo líder soviético, apesar de diferente de todos os outros líderes políticos as idéias de Stalin entusiasmavam os ouvintes pela clareza e perfeição com que eram formuladas.
Todas as lojas tinham uma decoração com seu retrato às vezes até mesmo no lugar de mercadorias em falta, encontrava-se em qualquer espaço público uma representação de Stalin, nas praças centrais e nos picos das montanhas existia uma gigantesca estátua homenageando o líder soviético, livros de receita culinária tinham palavras do líder sobre a necessidade de se alimentar bem como introdução, nos jardins de infância e zoológicos, bandeiras afirmavam: “Obrigado Stalin por nossa infância feliz”. Porém as mudanças obtidas pela sociedade nos anos 30 podem ser consideradas as grandes responsáveis pela admiração que se tinha pelo líder. A veloz industrialização do campo transformou em pouco tempo um país arcaico em um país industrializado, agora era possível ter acesso ao trabalho, alimentação, vestuário, assistência médica, habitação subsidiada e de certa forma igualdade entre os soviéticos; a educação e a saúde tiveram um índice de crescimento surpreendente, assim como a expansão econômica permitiu variadas ascensões sociais, técnicos e engenheiros locais foram formados e beneficiados com cargos na indústria e na burocracia estatal; pode-se dizer que a ascensão social formou grupos privilegiados no regime. Como em uma receita, mistura-se a propaganda política maciça e intensa por parte do governo e os resultados obtidos pela industrialização e conseguiremos entender os carismas consagrados ao líder soviético e o porquê de tamanho sucesso e admiração, era a forma que os soviéticos beneficiados com a industrialização e a melhoria de vida que a mesma trouxe tinham de agradecer.

O Terror Stalinista

Stalin além de criador foi também um produto do modelo soviético, a fragilidade do líder e um partido político organizado nos modelos leninistas e a ajuda da própria sociedade para eliminar possíveis “sabotadores”, “espiões”, e “traidores” fizeram com que a URSS passasse nos anos de 1936 a 1938 o período conhecido como grande terror stalinista, A morte de Kirov, suposto aspirante ao cargo de líder da URSS no ano de 1934 dá margem a Stalin e seus comandados de aplicar um golpe de estado. Para o líder soviético, haveriam inimigos dentro do partido. Essa foi a oportunidade ideal para Stalin garantir e impor definitivamente seu poder. Tem início uma era de expurgos políticos dentro do PCUS e uma grande repressão política de massa, a imprensa noticiava o processo contra grandes líderes soviéticos e do próprio partido. Surpresos os soviéticos e todo o movimento comunista viram chefes históricos do partido e do estado serem condenados por conspiração, assassinatos e ações terroristas, todos confessaram seus “crimes”, confissões essas que eram verdadeiros espetáculos teatrais alcançados através da tortura ou chantagem com a prisão de seus familiares, teatralização ensaiada diversas vezes perante a polícia antes de serem apresentadas ao público, aqueles que não “professavam seus crimes” eram eliminados sem a teatralização dos tribunais. Aqueles que por algum motivo tinham suas vidas poupadas eram enviados aos campos de concentração. Comícios eram feitos em quase todas as cidades reunindo milhões de pessoas em protesto contra os “traidores”. Cartas secretas eram entregues a militantes do PCUS com denúncia de crimes no interior do partido, reforçando assim a necessidade de vigilância revolucionária.
Os soviéticos não foram enganados pela propaganda oficial, “os russos sabiam bastante bem quanto sofrimento lhes coubera, e ainda cabia sob o jugo de Stalin”(pág 95). O grande terror foi o auge de um processo iniciado em 1918 com a guerra civil; no início, os bolchevistas perseguiram os adeptos do antigo regime; depois a perseguição foi aos “contra-revolucionários”, em seguida os partidos políticos opositores. Para culminar o terror iniciou um processo de perseguição a qualquer um suspeito de atividades “anti-soviéticas”. Diga-se que o terror político não foi obra exclusiva de Stalin, ele teve apoio de grande parte da sociedade soviética. Em 1939 a maioria do comitê central do PCUS eleita em 1934 havia caído junto com a maior parte dos secretários provinciais e locais do partido, assim como seus colaboradores e familiares próximos; todos fuzilados ou enviados a campos de concentração. Denuncia de complôs, sabotagem, espionagem e crimes aterrorizavam o país durante o grande terror.
O terror tinha o objetivo de voltar-se exclusivamente contra aqueles que eram contrários ao governo ou críticos a Stalin, não importando se eram camponeses, operários, elite, intelectuais, oficiais do exército ou até mesmo membros do PCUS, nesse caso aqueles que apoiaram o líder da “segunda revolução russa” e a ele juraram lealdade e fidelidade. O regime de terror visava á consolidação do poder de Stalin e do regime Stalinista, como a única alternativa política possível.ou seja, qualquer um que fosse suspeito de atividades “anti-soviéticas” era preso. A sociedade agia como cúmplice da polícia política acusando e desprezando colegas e familiares. Stalin dizia ter 500 mil novos cargos para distribuir, a cada ano, cargos esses que passaram a ser ocupados pelos técnicos e engenheiros formados graças à industrialização no país e que apoiavam as perseguições e a liderança de Stalin; assim o líder soviético se mantinha no poder na medida em que o grande terror avançava.
Em cinco de março de 1953 morre Stalin, sua morte levou milhões de soviéticos à praça vermelha, no dia oito de março o número de pessoas na praça vermelha para ver o corpo do líder soviético era tão grande que não foi possível controlar a multidão, desencadeando numa tragédia onde milhões de pessoas foram esmagadas contra as barreiras montadas pela KGB, muitas morreram pisoteadas no meio da aglomeração.
O terror atingiu a todos os grupos sociais, não existia posição social ou política que garantisse que o individuo não seria alcançado pela avalanche do terror, incitado e apoiado pelo sentimento de satisfação? Simples, a queda de dirigentes partidários, industriais e arbitrários, tornava-se um momento de júbilo popular. Detestados, estes “pequenos tiranos”, ao caírem em desgraça apenas estavam sofrendo um justo ato de justiça e de vingança.

O Modelo Soviético

O povo soviético conheceu ao longo da década de 1930 a segunda revolução russa. Uma revolução feita “pelo alto” a partir dela foram realizadas transformações econômicas, sociais, políticas e ideológicas, estas mudanças deram origem ao modelo soviético do socialismo. No campo econômico ocorreu a planificação e a centralização das atividades produtivas, a nacionalização de todas as empresas do país com o surgimento da ideologia da “estabilidade”, que garantiria a implantação do socialismo. No plano político as mudanças foram do partido único ate o Partido – Estado, com a monopolização dos postos da administração estatal. No plano social, a subjugação dos camponeses e um intenso processo de mobilidade social. No campo ideológico, o modelo do “marxismo-leninismo” imposta como única forma de pensar, crer, agir e se comportar, institui-se o “culto secular do estado”, com um processo de “santificação” do território soviético e culto a personalidade do líder, a qual todos deveriam reverenciar. A polícia política e os campos de concentração completaram as instituições do socialismo soviético.

A caminho do fim

Não há dúvidas de que o modelo de socialismo soviético está intimamente ligado ao nome de Stalin, não se pode reduzir a construção do socialismo somente a interjeição da propaganda oficial ou ao terror totalitário, pois ambos não bastam para explicar o apoio e a admiração de milhares de pessoas de várias partes do mundo, inclusive dentro da União Soviética, ao líder soviético, não haveria possibilidade de um contato total de uma sociedade se não houvesse permissão e acordo com boa parte desta sociedade. A União Soviética foi talvez a maior das utopias que a história já registrou, Stalin por suas ações para manutenção e perpetuação no poder cometeu um infinito número de crimes. Segundo Milovan Djtilas, “a história não conhece déspota mais brutal e cínico do que ele. Como criminoso, foi metódico e cruel. Foi um desses raros e terríveis dogmatistas capazes de destruir nove décimos da raça humana para fazer feliz o décimo restante. (pag. 106).
Mesmo diante da consolidação democrática no mundo os pobres continuam a conviver com terríveis injustiças, da parte de políticos, corruptos que mesmo formalmente democratas, continuam a governar a favor das classes dominantes.

Celso de Almeida.

*Foto: Stalin

2 comentários:

Anônimo disse...

sugiro que você leia a tradução inédita feita pelo jornal Hora do Povo dos Processos de Moscou.
São bastante esclarecedores como contraponto ao discurso imperialista de que Stalin promoveu assassinatos em julgamentos teatralizados.

www.horadopovo.com.br
nesse link tem um link com a tradução.

Anônimo disse...

ótimo texto, me ajudou muito no trabalho da escola sobre o socialismo.valeu mesmo?????

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